Bajirao Mastani
abril 01, 2024India, India, take me to your heart / Reveal your ancient mysteries to me (Índia, Índia, leve-me ao seu coração / Revele-me seus antigos mistérios); assim começa a bela e comovente canção de John Lennon que homenageia a milenar Índia, país onde se pratica o hinduísmo, jainismo, budismo, sikhismo e o islamismo.
Hoje é o cinema indiano que tem revelado ao mundo ocidental uma história ancestral, de uma riqueza cultural estonteante e totalmente desconhecida por nós.
E quando a gente pensa que o cinema indiano esgotou sua capacidade de nos surpreender depois de Jodha e Akbar, Manikarnika (comentado aqui no blog em 1 de maio de 2023), Kesari, Padmaavat, Lagaan, Asoka... eis que chega até as nossas retinas e ouvidos Bajirao Mastani (2015), um filme admirável, se é que as palavras são suficientes para defini-lo.
O eterno tema do amor incondicional entre um homem e uma mulher enfrentando todas as barreiras religiosas, familiares, políticas, sociais para se afirmar sem nenhum tipo de concessão ao preconceito, à inveja, ao ciúme, à intolerância humana. Descrito assim de forma tão resumida dá a falsa impressão de que se trata de um filme a mais sobre tramas do amor. Não é. Bajirao Mastani, baseado no romance épico-histórico Marathi Rau de Nagnath S. Inamdar, conta a história do Maratha Peshwa Bajirao (1700–1740) e sua segunda esposa, Mastani, portanto uma história real.
Bajirao e sua esposa oficial, Kashibai, eram hindus e Mastani era muçulmana, só esse detalhe já tornava impossível uma relação entre eles, uma barreira intransponível sob o ponto de vista da ética e moral religiosas vigentes. Numa entrevista na época do lançamento do filme, o diretor Sanjay Leela Bhansali disse: "Naquela época, as pessoas eram ofendidas pelas mesmas coisas que as ofendem hoje. Através deste filme, quero mostrar que o amor é a maior religião”. Os orientais costumam dizer que o Sol se põe e renasce todo dia por amor, a tradição cristã afirma que o maior mandamento é o amor. Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Orfeu e Eurídice, Hermes e Athena, Krishna e Radharani,Teseu e Ariadne, nomes que eternizam a materialização do mais sublime amor através das Eras. Ao tratar desse tema, revolucionário no mais profundo grau desse termo, Bhansali revive uma emocionante história do passado para nos falar do presente, do aqui e agora.
Os diálogos são apaixonantes e beiram a poesia shakespeariana, a fotografia de Sudeep Chatterjee é um deslumbre visual carregado de significados em suas cores, angulação, frenéticos movimentos da câmera, closes e close-ups.
A edição, trabalho de Rajesh Pandey, notadamente nas poderosas cenas de batalhas, é um deleite para quem gosta de cinema, não só de filmes.
A direção de arte, figurinos, adereços e cenários são um passeio em torno da rica cultura indiana além de encherem a vista encantando o espectador.
A trilha sonora composta pelo próprio Sanjay Leela Bhansali em parceria com Sanchit Balhara, com letras das canções escritas por Siddharth Garima, AM Turaz e Prashant Ingole, é inesquecível, especialmente na orquestração utilizando instrumentos clássicos da música indiana como a cítara, tablas, bansuri e violino indiano, mas em arranjos contemporâneos sem perder o sabor tradicional dessa música milenar.
Os números de canto e dança, mais que uma tradição nos épicos indianos, um recurso de linguagem-estética, emocionam profundamente e merecem ser aplaudidos de pé, com todo entusiasmo possível (assovios incluídos).
Nem um fotograma se perde nos 158 minutos do filme, a harmonia do roteiro e a opção estética da forma, brilhantemente conduzida pelo diretor Sanjay Leela Bhansali, permitem a equilibrada distribuição da trama pelo tempo físico do filme mantendo permanentes surpresas na narrativa e nos deixando com aquele gostinho de “quero mais” no final.
Estou escrevendo isso sabendo que não traduzo com palavras nem um por cento do impacto que esse filme me causou, Bajirao Mastani é uma daquelas obras artísticas feitas para quem ainda não perdeu a capacidade de espanto diante das coisas que realmente importam na vida, coisas que não necessitam de aditamentos teóricos complicados para serem percebidas porque não estão ligadas ao campo da mente, só com o coração é possível compreende-las. Para avaliar corretamente essa obra-prima tem de vê-la. Então vejam, o mais rápido que puderem.
1 comentários
O trailer já impressiona; os números de visualizações no YouTube de trechos do filme e de materiais de divulgação idem. O ocidente desaprendeu a fazer cinema!!
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