Janelvis, um janeiro com Presley e Priscilla
janeiro 17, 2024Elvis Presley nasceu num 8 de janeiro, signo de capricórnio, se estivesse vivo fisicamente teria completado 89 anos nesse 2024.
Sem atinar para datas, efemérides etc, aproveitei essa primeira quinzena do ano para, entre outras coisas, ver os primeiros filmes de Elvis Presley que não conhecia.
Comecei com Estrela de Fogo (1960), drama dirigido por Don Siegel cujo enredo publicado no IMDB diz: O oeste do Texas, nos anos após a Guerra Civil, é um ponto de encontro difícil de duas culturas, uma branca e a outra nativa americana. Elvis Presley interpreta Pacer Burton, filho de um fazendeiro branco (John McIntire) e de sua bela esposa índia Kiowa (Dolores del Rio). Quando a luta começa entre os colonos e os nativos, Pacer tenta agir como um pacificador, mas a "estrela flamejante da morte" o puxa irrevogavelmente para a violência mortal.
É um semi western muito bem dirigido por Siegel que já assinava uma respeitada filmografia com títulos como Justiça Tardia (1946), Rebelião no Presídio (1954), Vampiros de Almas (1956) e O Sádico Selvagem (1958). Elvis entrega nesse filme uma atuação bem acima da média confirmando o que disse Tarantino em seu livro Especulações Cinematográficas, tradução de André Czarnobai lançado pela Intrínseca em dezembro, 2023 (o Kindle me informa que já li 68% das 400 páginas desse livro comprado em 3 de janeiro), Quentin diz que faltou para Elvis em sua carreira cinematográfica um bom diretor. De fato, além de Siegel ele só teve outro bom diretor dirigindo-o, Michael Curtiz.
O filme seguinte que vi foi o da estreia de Elvis no cinema Ama-me Com Ternura (1956), o título original é o mesmo de um dos maiores sucessos de Presley, a balada romântica Love Me Tender. Também ambientado no velho oeste, no final da guerra civil americana, esse filme foi feito, e funciona, como um veículo para as músicas do jovem cantor que começava a conquistar os Estados Unidos.
Prisioneiro do Rock (1957) foi o terceiro filme que vi. Mais um longa feito para destacar o repertório musical de Elvis, a sequência em que ele canta Jailhouse Rock salva o filme e acabou entrando para a história do Rock and Roll.
Um detalhe: Judy Tyler, jovem atriz que fez o par romântico com Elvis no filme, morreu tragicamente num acidente automobilístico 3 dias após o termino das filmagens, tinha 24 anos. Isso fez com que Elvis nunca quisesse ver este filme.
Na sequência assisti ao King Creole (no Brasil Balada Sangrenta, 1958), é sem dúvida o melhor filme feito por Elvis em toda sua carreira cinematográfica (as dezenas de musicais feitos para a Paramount e Metro são um deboche com a figura dele); dirigido por Michael Curtiz (Casablanca), esse drama é ambientado em Nova Orleans, berço da música negra americana que tanto influenciou a música e os trejeitos de Elvis, e traz também no bom elenco Carolyn Jones, Walter Matthau, Dean Jagger e Vic Morrow.
Sob o comando de um grande diretor, e com um roteiro de qualidade, baseado no livro A Stone for Danny Fisher de Harold Robbins, o cantor apresenta sua melhor atuação em Hollywood, provando assim que se tivesse sido tratado com mais respeito pela indústria do cinema teria sido reconhecido como um grande ator também.
O curioso desse filme é que roteiro original havia sido escrito para James Dean e contava, como no livro em que foi baseado, a estória de um jovem pugilista. Dean morreu tragicamente muito antes do início das filmagens, aí adaptaram o texto para o nascente ídolo jovem também no cinema Elvis Presley. O pugilista desapareceu e em seu lugar entrou... um cantor de rock! Além dos momentos de grande intensidade dramática em que Elvis dá o recado como ator de maneira brilhante, a sequência musical em que ele canta em cima do balcão da boate a música Trouble é inesquecível.
Depois desse mergulho nos primeiros filmes, fui rever Elvis, a cinebiografia lançada em 2022 com direção de Baz Luhrmann. É um filme triste (chorei no final na primeira vez em que vi) e revelador do verdadeiro papel do famoso Coronel Parker (sic), homem misterioso que tinha um domínio total sobre a vida e o trabalho de Elvis e que, indiretamente, acabou levando-o a morte em 1977 com apenas 42 anos de idade. Embora não se possa responsabilizar unicamente o tal “coronel “por tudo que aconteceu na vida artística do cantor/ator, ele, Elvis, de certa forma, aceitou participar do jogo proposto por “Parker” mesmo sabendo que se tratava de um notório trapaceiro. Aqui me lembrei do excelente livro Homo Ludens (Perspectiva, oitava edição, segunda reimpressão, 2014) onde Johan Huizinga diz: “É curioso notar como os jogadores são muito mais indulgentes para com o batoteiro (trapaceiro) do que com o desmancha-prazeres, isto porque este último abala o próprio mundo do jogo. Retirando-se do jogo, denuncia o caráter relativo e frágil desse mundo no qual, temporariamente, se havia encerrado com os outros. Priva o jogo da ilusão - palavra cheia de sentido que significa literalmente “em jogo” (não sei se me faço entender).
Vi também, pela primeira vez, Elvis É Assim, produção da Metro, é um documentário dirigido por Denis Sanders mostrando o retorno triunfal de Elvis ao palco depois de mais de uma década sem se apresentar ao vivo. Esse filme foi lançado em 1970, eu morava no Rio nessa época, o lançamento foi no cine Roxy em Copacabana, cópia em 70 milímetros, som estéreo com 6 faixas..., mas não fui ver (não sou fã de Elvis, aprecio o trabalho dele, vi muitos filmes, mas nunca comprei um disco dele ou baixei músicas, por exemplo). Passados 54 anos daquele lançamento, e depois dessa maratona Elvis nesse mês de janeiro, a maturidade me convidou a ver uma nova versão de Elvis É Assim, que foi lançada em 2001, e está disponível na Amazon Prime. Essa nova versão traz cenas que não foram incluídas no original de 1970, como por exemplo os ensaios para o grande show de retorno num hotel em Las Vegas, show que ficou em cartaz durante quatro anos! Num raro momento dos ensaios Elvis canta o refrão de Get Back dos Beatles demonstrando que finalmente fez as pazes com o quarteto inglês (no início da beatlemania Elvis não aceitava que um grupo da Inglaterra fizesse sucesso nos Estados Unidos).
No show ele canta, entre muitas outras canções, You Don't Have To Say You Love Me, que vem a ser a versão americana de Io Che Non Vivo Senza Te, sucesso do italiano Pino Donaggio em 1965, também inclui no repertório uma música dos Bee Gees (Words) e Paul Simon (Bridge of Trouble Water).
O show e os ensaios foram gravados em vários dias com várias câmeras o que permite uma variedade enorme de ângulos e planos, a edição de Henry Berman e Michael Salomon é muito boa e consegue transmitir toda a emoção do espetáculo ao vivo. O som, remasterizado, completa a festa.
Não poderia encerrar essa maratona sem ver Priscila (2023) a delicada cinebiografia de Priscilla Presley, viúva de Elvis, feita por Sofia Coppola.
O filme é baseado no livro Elvis e Eu escrito por Priscilla e Sandra Harmon, em 1985. Digo de cara que gostei muito desse filme. A fotografia, o elenco, a edição, o roteiro (da própria Sofia) e a direção são impecáveis, um filme que dá prazer de ver pelo conjunto de elementos da cinestética organizados de forma harmônica não apenas para contar uma história, mas sobretudo para sublinhar um ponto de vista. E esse ponto de vista é o de Priscilla e o da diretora Sofia Coppola, que vem honrando o sobrenome que herdou do pai, o já lendário Francis Ford Coppola, em vários filmes que dirigiu.
Priscilla é a contraprova de tudo o que já foi dito sobre ela e o marido famoso, é a voz de quem viveu muda por muitos anos, porém essa voz não sai num grito desesperado, como talvez fosse de se esperar, não. A história é contada de maneira sóbria, equilibrada, sem vitimizações ou coisa parecida. O Elvis visto pelos olhos de Priscilla é o Elvis com o qual ela conviveu bem de perto durante dez longos anos: elegante, descortês, amável, machão, moderno, conservador, liberal, dominador... enfim uma pessoa insegura, imatura, contraditória, dúbia, carente como todas as pessoas são. “De perto ninguém é normal”, diz a canção.
Em sua uma hora e 50 minutos o filme revive episódios da vida real do casal, mas sempre pela perspectiva de Priscilla, Elvis é um personagem secundário como realmente foi na realidade conjugal, ausente na maioria do tempo por causa das filmagens em Hollywood, das turnês e compromissos típicos da carreira de um super star como ele, o filme mostra uma Priscilla sempre em stand by à espera do amado para desfrutar fugazes momentos de intimidade, momentos que tem que dividir com os amigos do cantor, sempre presentes em Graceland, a icônica mansão em Memphis, onde Elvis morava com toda a família dele.
Sofia Coppola e Priscilla Presley mostram tudo isso sem precisar apelar para chavões feministas ou proselitismo de gênero, a própria realidade com suas antinomias revela a fragilidade de uma relação assentada nas aparências de um contexto social preestabelecido.
Não será surpresa para mim se acusarem Sofia de “filmar como homem”, além de ser uma afirmação boba, há muitos momentos no filme em que se percebe claramente que há uma mulher atrás da câmera, esse tipo de acusação faz parte do ativismo pseudo-ideológico que domina as tais redes sociais e só interessa mesmo aos seus seguidores. Tô fora.
A trilha sonora do filme, uma preciosidade escolhida por Sofia faixa a faixa, denota a ausência do artista na vida do casal, são 17 músicas, nenhuma de Elvis.
A trilha não é estilo retrô só com músicas da época dos fatos narrados, como já havia feito em Maria Antonieta (2006), a diretora Sofia Coppola inclui também músicas que dão um toque contemporâneo ao drama, atualizando-o para o novo século. Assim é possível ouvir a eletrizante Sweet Nothin's com Brenda Lee (numa pegada sensual que me lembrou Amy Winehouse), a suave e encantadora Forever com o The Little Dippers ao lado do som eletrônico de Dan Deacon, a guitarra malemolente de Speedy West, além da dupla inglesa Sons of Raphael e Ramones, por exemplo.
Ainda falando de música, numa das cenas é mostrada a aversão inicial que Elvis tinha aos Beatles, xenofobia mesmo.
Outra revelação corajosa do filme é sobre a dependência que Elvis tinha de estimulantes químicos e soníferos (e que acabou passando para Priscilla), dependência que começou quando servia ao exército americano numa base militar na Alemanha. Os soldados que iam ficar de guarda durante a noite, tomavam estimulantes fornecidos pelo próprio exército para ficarem acordados.
Priscilla é um filme feito por mulheres... para homens! Sim, mais que para mulheres recomendo esse filme ao público masculino, é importante saber o ponto de vista das mulheres sobre esse mundo (ainda) masculinizado, precisamos entender, nós homens, que esse mundo construído a nossa imagem e semelhança não é o melhor dos mundos para as mulheres, por exemplo.
Ainda há tempo de mudar essa visão unidirecional e equivocada do mundo em que vivemos, filmes como Priscilla ajudam nessa mudança.
Vejam.
3 comentários
Gosto do trabalho de direção de Sofia Coppola e ainda não vi Priscila. Quando menino vi um filme em que Elvis era boxeador e no final do filme ao começar o primeiro assalto ele olha para mocinha e leva um cruzado e vai a nocaute. Elvis deixou de ser meu ídolo nesse filme, embora fosse ídolo para as minhas primas e primos adolescentes que estavam no São Luiz de Fortaleza. Vi alguns filmes dele e gostava de algumas músicas, mas não comprava os discos. Beleza de retrospectiva sobre Elvis. Obrigado, Romero!
ResponderExcluirO senhor tratou de 3 coisas que sou absolutamente deficitário: a música de Elvis; e filmografia dele; e Sofia Coppola. Espero sanar essas tantas demandas muito em breve, já que os comentários me instigaram bastante!
ResponderExcluirMais uma vez Sofia Coppola trata tão bem do "entre" nas relações, do paradoxo do laço afetivo: a solidão e o deslocamento experimentados. Acho que em "Priscilla" conversa com "Maria Antonieta": uma jovem que mergulha no universo de um rei para la experimentar a dor da solidão, de viver à margem...
ResponderExcluir