Ano Novo Chega Trazendo A Lista Dos Dez Melhores Filmes Que Vi Em 2023
janeiro 01, 2024Ano novo começando e nós publicando a tradicional lista dos 10 melhores filmes vistos no ano que passou. Diferentemente das listas desse gênero que privilegiam os lançamentos do ano findo, a nossa tem como critério de “lançamento” os filmes que vi pela primeira vez. Já falei anteriormente, e repito, que filme “novo” é todo filme que você não viu ainda, não é mesmo? Então esse é o critério da minha lista: filmes que vi pela primeira vez no ano findo, sem importar o ano em que foi produzido. A lista com apenas dez títulos, quando na verdade vimos muitos outros bons filmes (como Retratos Fantasmas, por exemplo, que comentei aqui no blog numa postagem do dia 8 de setembro) é apenas uma convenção tradicional. Os filmes escolhidos tratam de temas que me parecem importantes, circunstancias ainda não superadas pela humanidade: ambição, violência, inveja, crueldade, intolerância, racismo, desumanidade. Dito isto, vamos aos filmes:
O Sangue do Condor - Bolívia, 1969
Produção boliviana (sim, a Bolívia tem cinema) de 1969. O filme, dirigido por Jorge Sanjinés, é falado em 3 idiomas: o qechua (idioma oficial da Bolívia), o espanhol (idioma do colonizador) e o inglês (idioma do neo-colonizador). A fotografia e câmera de Antonio Eguino é de um realismo que transcende o documentário (trata-se de um drama de ficção-verdade) e nos transporta para dentro da ação. A impressão que tive é a de que é um filme “sem câmera” (se é que me explico) dada a crueza das imagens, imagens sublimes e trágicas. O filme aborda um tema ainda hoje tabu: a esterilização em massa, sem consentimento nem conhecimento, das mulheres do então chamado terceiro mundo (estilo nazismo), política levada a cabo pelo governo de Richard Nixon, recém instalado na Casa Branca. O Sangue do Condor foi atacado por todos os lados, primeiro foi censurado para menores de 18 anos e logo recebeu o manjado rótulo de “teoria da conspiração” (tudo que contrariar os interesses dos donos do poder recebe essa tarja criada pela CIA em 1967) e não conseguiu chegar aos cinemas por causa do boicote de distribuidores e exibidores controlados pelas majors de Hollywood. Esse filme não é só um dos melhores que vi no ano que findou, é um dos melhores de sempre.
O Grande Mestre - Hong-Kong/China, 2013
O diretor Kar-Wai Wong anunciou o início desse projeto em 2003, mas só lançou mesmo em 2013. Nesses dez anos vários outros filmes sobre Ip Man, o lendário mestre das artes marciais que foi professor de Bruce Lee, foram feitos e lançados. O Grande Mestre, feito raro, consegue traduzir em sua mis-en-scène não só o lado físico das lutas, mas sobretudo a filosofia que sustenta a beleza e a ancestralidade das artes marciais. A sequência da luta na chuva é uma das mais belas já feitas no cinema.
Nascido em Gaza - Espanha, 2014
Feito há 10 anos mas parece que foi feito há 10 minutos apenas. A atualidade do filme vem da atualidade do genocídio contra os palestinos praticado pelos sionistas nesse momento em que você está lendo esse texto. Não me venham com a velha conversa de “antissemitismo”, não cola. Não ignoro os terroristas do Hamas, mas o assunto aqui é a população civil, velhos, mulheres e crianças, principalmente as crianças sendo exterminadas violentamente como já foram há 2023 anos (não esqueçam o sionista Herodes). Atenção desalmados (falo dos sem alma que só têm a carcaça física) de todas as ideologias, de todas as facções partidárias, de todas as bandeiras, de todas as raças, de todos os credos: TIREM SUAS MÃOS IMUNDAS DE CIMA DAS NOSSAS CRIANÇAS! Parem com esse genocídio covarde, desumano, injustificável em qualquer nível de debate. Vocês estão assassinando cruelmente, em várias partes do mundo, o futuro da humanidade, vocês arautos da morte e da dor não merecem um pingo de consideração por parte de um verdadeiro ser humano. Alô ONU, alô Vaticano, Alô União Europeia, Alô Liga dos Países Árabes, Alô Religiosos de todas as igrejas, templos e seitas, Alô Judeus Ortodoxos (não sionistas)... Até quando vão assistir esse extermínio em repugnante silêncio? Até quando continuarão de costas para as crianças palestinas ou não palestinas? O diretor argentino Hernán Zin já fez a parte dele roteirizando, fotografando e dirigindo esse belo e triste manifesto pela esperança, pela inocência, pela proteção, pela pureza das crianças (sim, as crianças nascidas em Gaza têm a mesma pureza de todas as crianças do planeta). Veja o filme e não deixe de fazer o que estiver ao seu alcance para acabar com essa indiferença diante deste horror que há muito superou as atrocidades dos nazistas na segunda guerra mundial.
Sete Homens Sem Destino - USA, 1956
O mais que simples artesão Bud Boetticher fez esse western que o crítico e ensaísta francês Andre Bazin classificou como “um western exemplar” (inclusive considerava esse filme superior ao cultuado Os Brutos Também Amam, de George Stevens) em artigo publicado na celebre Cahiers du Cinéma, número 74, agosto-setembro de 1957, Bazin diz mais: “o primeiro encantamento que temos com Sete Homens Sem Destino vem da perfeição de um roteiro que realiza a proeza de nos surpreender continuamente a partir da trama rigorosamente clássica. Nada de símbolos, nem de segundas intenções filosóficas, nem sombra de psicologia, nada senão personagens ultraconvencionais com funções arquiconhecidas, mas uma organização extraordinariamente engenhosa e, sobretudo, uma invenção constante quanto aos detalhes capazes de renovar o interesse das situações”. Randolph Scott, com o seu rosto talhado na pedra bruta e Lee Marvin, idem, só que no bronze não polido, ambos em contraste com a sofrida, porém terna Gail Russell, completam essa joia esquecida do cinema americano.
Fuja Para O Globo Prateado - Polônia, 2021
O diretor Kuba Mikurda conta neste documentário a verdadeira epopeia vivida pelo cineasta Andrzej Zulawski para realizar em 1975 o inacabado longa de ficção-científica Globo de Prata. Zulawski começou a carreira como assistente de Andrzej Wajda, passou um tempo em Paris e ao retornar para Varsóvia começou a produzir esse filme que foi proibido pelo ministro da cultura da Polônia antes da finalização (faltava apenas 30%), desfazendo a mística de autonomia de criação dos artistas num regime comunista. O documentário expõe a frágil liberdade de expressão na Polônia da época e o esmagamento de um importante projeto artístico pela mesquinharia da perseguição política, não importa o matiz ideológico.
Gosto de Cereja - Irã, 1997
Os filmes do iraniano Abbas Kiarostami (1940-2016) provocam no espectador duas reações bem distintas: repulsa ou atração irresistível, sendo impossível ficar neutro diante deles. Não são filmes narrativos no sentido clássico do termo, os atores não são atores profissionais, o roteiro se completa durante as filmagens com muita improvisação pelo meio, a edição segue praticamente o tempo físico da ação (ação?) e os planos demoram mais que o convencional na tela. Com todo esse clima não-espetáculo, uma negação radical do entretenimento “pipoca-com-guaraná”, mesmo assim esses filmes seduzem o olhar e sequestram a atenção do espectador (pelo menos a minha) mantendo-o preso na cadeira até o final, finais, diga-se, nada apoteóticos. Apesar de ser um filme de difícil compreensão para os espectadores não iniciados na linguagem cinematográfica já que esse tipo de filme exige uma certa maturidade do espectador, embora existam concretamente os impasses, esses filmes precisam ser feitos. Já vi Gosto de Cereja (roteiro, direção e edição de Kiarostami) três vezes nesse ano que finda, pretendo vê-lo pelo menos mais três vezes. É arrebatador.
Era Uma Vez Uma Estrela - Tailândia, 2023
Produção tailandesa, falada em tailandês, para a Netflix. 2023. Filme interessantíssimo e comovente sobre uma trupe de artistas dubladores/vendedores que percorrem o interior da Tailândia (paisagens exuberantes fotografadas com competência por Teerawat Rujintham) para vender remédios populares (elixir, xaropes, revigorantes) tendo como chamariz para o público a exibição de filmes tailandeses de sucesso. O detalhe é que mesmo sendo sonoros, coloridos e tal (estamos na década de 1970) os filmes são dublados ao vivo pela equipe, incluindo a sonoplastia dos ruídos, sons de tiros, veículos etc. Embora se trate de um fato real, o filme não explica por que o som original é retirado nas exibições e a dublagem é feita, mas fica claro que essa forma era bem comum na época, existem outros grupos de dublagem que concorrem com os protagonistas nas cidades visitadas, inclusive o “duelo” entre as duas equipes em plena praça pública, lado a lado, para ver quem consegue atrair e segurar mais o público é emocionante. Não percam.
Elis & Tom, Só Tinha De Ser Com Você - Brasil, 2023
Em 1974, Elis Regina e Tom Jobim foram reunidos num estúdio em Los Angeles - USA pela primeira e única vez para a gravação de um disco que acabou entrando para a história da música popular como um dos mais importantes de todos os tempos. O filme de Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay mostra todo o processo de criação, produção e gravação do disco com imagens preciosas feitas na época por Fernando Duarte em 16 milímetros e remasterizadas para 4K. É um filme único na filmografia brasileira, o registro de um momento muito especial da cultura nacional feito com emoção e devoção. Os depoimentos dos músicos que participaram do disco, gravados por João Wainer mais de 40 anos depois da gravação dão o toque de atualidade. Se você gosta de música popular veja esse filme, se não gosta veja também para começar a gostar.
Para Acabar Com Todas As Guerras: Oppenheimer e a Bomba Atômica - USA, 2023
Muito superior ao badalado Oppenheimer, filme em que os personagens falam muito e dizem muito pouco, “como se o objetivo principal fosse falar depressa e não com bom senso” nos ensina Thoreau. Esse documentário de Christopher Cassel vai direto ao ponto dessa tragédia humana infundamentada e dá voz a professores, cientistas, escritores (Kai Bird, co-autor do livro American Prometheus, que serviu de base para o filme de Christopher Nolan, é um dos entrevistados), testemunhas da época, cineastas (o próprio Nolan é um dos que aparecem em depoimento) e, o mais importante, uma vítima japonesa sobrevivente daquele horror, a doutora Hideko Tamura, ela descreve o cenário naquela manhã de 6 de agosto de 1945 antes dos americanos abrirem as portas do inferno, ela diz: os pássaros cantavam ignorando a guerra, as borboletas e outros insetos voavam tranquilos, os animais e as crianças brincavam nos jardins, a agua dos dois córregos que cortam a cidade fluíam em paz... “Tudo parecia feliz, mas o som da explosão veio do céu como raiva...”. O filme não procura culpados, procura entender como foi possível aquele genocídio civil-militar, crime de guerra ainda não igualado no planeta, que se abateu como um raio de agonia e morte calcinando instantaneamente 200 mil civis inocentes (Hiroshima não era um alvo militar). Veja e não se indigne se for capaz.
Guerra e Humanidade (no original japonês A Condição Humana) - Japão, 1959-1961
É uma trilogia dirigida por Masaki Kobayashi (Harakiri) com duração total de 9 horas e 39 minutos. Sobra dizer que é um filme obrigatório para quem gosta de cinema e para quem ama a paz entre os seres humanos. A primeira parte tem o subtítulo de Estrada Para A Eternidade e mostra o soldado Kaji, interpretação magnífica de Tatsuya Nakadai (Os 7 Samurais, Harakiri, Yojimbo, Kagemusha, Ran) em conflito permanente entre sua consciência pacifista e as exigências nada conscientes do exército japonês em plena segunda guerra mundial. A esposa de Kaji, Michiko, interpretação também magnifica de Michiyo Aratama, é o ponto de equilíbrio entre a barbárie dos homens em guerra e o pouco que resta de humanismo nas pessoas. Nessa primeira parte, Kobayashi mostra que o tratamento dado aos prisioneiros chineses por parte do exército japonês era igual em violência e desumanidade às atrocidades dos nazistas no mesmo período histórico.
A segunda parte se intitula Não Há Amor Maior e se centra na relação entre Kaji e Michiko, os treinamentos, muitas vezes cruéis e desumanos, do soldado antes de ser mandado para a frente de batalha e o confronto direto contra os russos nas trincheiras da Manchúria. Não há heroísmo nem grandiosidade na guerra, o que existe mesmo é a desesperada tentativa de sair vivo dos combates e encontrar nem que seja besouros e vermes para comer, a população civil também é massacrada embora não porte armas nem tenha treinamento para combates.
A última parte é Uma Prece De Soldado, aqui já não existem soldados em combate por uma bandeira, os sobreviventes fogem desesperadamente do campo de luta com um único propósito: salvar a própria pele. Não, não é um ato de covardia, é a dura constatação do instinto de sobrevivência inerente aos seres vivos. Nesta última parte também o soldado Kaji, agora já promovido a cabo, descobre decepcionado que o idealizado “exército vermelho” dos revolucionários comunistas russos não passa de um bando de bárbaros que se igualam em violência aos nazistas, aos americanos e a eles japoneses. A guerra nivelando todos pela bestialidade.
A fotografia realista de Yoshio Miyajima, com um aproveitamento perfeito do espectro widescreen (cinemascope), dá aos filmes um toque documental, com as imagens traduzindo toda crueza da guerra, sem fazer das cenas de combate um espetáculo, como na maioria dos filmes americanos de guerra, por exemplo.
Destaque também para a música funcional de Chûji Kinoshita que pontua a narrativa.
O filme mostra a selvageria dos homens se replicando contra as mulheres indefesas: os russos violentam as japonesas, os japoneses violentam as chinesas e os chineses violentam as japonesas. “A mulher é o negro do mundo”, Yoko Ono foi precisa nesta definição.
A trilogia é uma autocrítica sincera do cinema sobre a participação do Japão na estupidez que foi a segunda guerra mundial, não importando os “nobres” propósitos que a deflagraram. A trilogia vai além, mostra que a guerra nada mais é que a explosão no campo físico de todas as mazelas que carregamos internamente em nossa psique, o verdadeiro inimigo não está “fora”, mora “dentro” de cada um.
O final é otimista pelo anelo existencial de Kaji e pessimista pelo que o destino lhe impõe, e aponta, quase uma profecia, para um futuro sombrio para a humanidade. Esse futuro é hoje.
3 comentários
Uma lista condizente com a amplitude das abordagens que o cinema proporciona! Um 2024 com muitas emoções e alegrias!!
ResponderExcluirExcelente lista e dicas para se assistir alguns deles em 2024. Beleza pura de sétima arte!
ResponderExcluirA esperada lista que sempre orienta e nos salva da dispersão com filmes excelentes. Só resta agradecer. Feliz ano novo!
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