Quem sabe o Besouro Azul venha nos restituir a glória, mudando como um Deus o curso da história...

outubro 19, 2023

Sim, parafraseando Gilberto Gil na bela e utópica canção Super-Homem, começo esse meu texto sobre o filme dirigido pelo porto-riquenho Angel Manuel Soto. 

Vi Besouro Azul (2023) a convite da minha esposa, a jornalista Creusa Oliveira, a princípio fiquei com um pé atrás porque não escondo de ninguém que sou pouco afeito a essas produções americanas que visam mais a emoção (e o consequente consumo de pipoca e refrigerante durante a projeção) do que a reflexão dos espectadores. No caso do Besouro Azul quebrei a cara, e como foi bom quebrar a cara. À parte o ritmo da edição (Craig Alpert) que mantém você preso na narrativa sem sacolejos desnecessários, o roteiro inteligente, cheio de referências culturais latinas, o filme tem um recado importante que faz com que o espectador, mesmo empapuçado de pipoca e Coca-Cola (o que não foi o meu caso, é importante frisar) pense um pouco sobre o que acabou de ver, especialmente nesse momento em que a TV transmite ao vivo os horrores de mais uma guerra estúpida entre sionistas e palestinos.

O Besouro Azul é um filme que quer dar uma chance a paz como pede a bela e utópica canção de John Lennon. Eu que cresci acompanhando as aventuras do Flama contra o terrível malfeitor Cicatriz, também ouvi pelo rádio (depois li o livro) a refrega de Jean Valjean contra o perverso Javert e vibrei na idade adulta com a vitória de Macduff sobre o tirano Macbeth, ademais sonhei como Gilberto Gil com o Super-Homem mudando o curso da história por causa da mulher, essas e outras histórias ajudaram a moldar meu caráter e fizeram com que eu buscasse sempre me posicionar ao longo da vida ao lado das utopias humanistas que anelam a redenção do bem, por isso me emocionei reflexionando com o Besouro Azul (Xolo Maridueña) que também é um personagem que muda o curso da história por causa das mulheres, no caso a avó, a mãe e a namorada Jenny Kord (uma interpretação madura e comovente de Bruna Marquezine). A importância da família como núcleo agregador (ou desagregador dependendo das relações em seu interior) é posta entre os temas abordados pelo filme.

Outro ponto que destaco nesse sensível filme de aventuras é o fato de os protagonistas serem mexicanos, guatemaltecos e a brasileira já citada, enquanto a vilã da história é uma americana.

A utilização da figura do Chapolin Colorado, super-herói terceiro-mundista, para neutralizar o sofisticado sistema cibernético de monitoramento por câmeras usado pelos fabricantes de armas, me lembrou aquela sequência de Bacurau onde os moradores da cidade em luta de resistência contra os invasores estrangeiros se refugiam no museu local, único lugar onde os invasores não conseguem penetrar. A metáfora é clara: a cultura é a grande arma de resistência de um povo, produzi-la, preservá-la e difundi-la (e o cinema é um gigantesco espaço de difusão cultural) é crucial para permanecermos vivos e autodeterminados nesse mundo onde globalização significa “bom é o produto estrangeiro”.  

As intervenções militares, a pretexto de combater o comunismo, que são um filão altamente rentável para a indústria armamentista, bem como as alterações geopolíticas que fragilizam a autonomia dos povos e beneficiam as nações de viés expansionista-imperialista, estão no subtexto de Besouro Azul. A ilha onde os desalmados (sem alma) fabricam os soldados cyborgs mortais que vão formar um exercito imbatível "fica perto de Cuba e foi comprada a Fulgencio por minha familia", diz Victoria Kord (Susan Sarandon excelente como sempre), a empresária chefe do império fabril bélico. Fulgencio Batista foi o ditador de Cuba cujo reinado desmoronou em 1959 por causa da revolução cubana.O recado é explícito, não precisa nem consultar o oráculo Google.

O embate entre o mega-vilão Carapax (Raoul Max Trujillo) e o Besouro Azul, que resulta em algo verdadeiramente extraordinário, é pungente, eletrizante. 

Ainda quero ressaltar no elenco as presenças da atriz Adriana Barraza como a avó revolucionária-guerrilheira de Jaime Reyes (o Besouro Azul) e os atores Damián Alcázar, como Alberto Reyes, o pai e George Lopez que faz Rudy Reyes, o tio. 

A fotografia de Pawel Pogorzelski, a direção de arte de Michael Uwandi (comandando uma equipe composta por 7 profissionais) e a trilha sonora do britânico Bobby Krlic (também conhecido como The Haxan Cloack) completam a linha de frente da produção.

Vejam e confiram.

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