Biliu de Campina Está De Volta ao Disco Com Um Antídoto Contra a Crise: “Domínio Público”
abril 01, 2023Biliu de Campina no programa Sr. Brasil da TV Cultura. Fonte: Internet |
Há 7 anos, no comecinho do ano 2016, Biliu me pediu um texto para encartar no CD que havia acabado de gravar no estúdio de Waguinho de Duduta. Ouvi o disco e no dia 19/02/16 entreguei o texto com o título acima para o cantor e compositor. O encarte acabou não saindo por motivos de dificuldades da produção etc; como é um texto que independe da audição do disco, na verdade é um convite para a audição, resolvi publicá-lo no blog para registro histórico e a apreciação dos meus mais que queridos leitores. É isso.
Segue o texto original:
Se a desculpa para tudo é a tal crise, o sempre ousado e avançado Biliu de Campina dá uma resposta pragmática e cessa com essa ladainha que já passa dos limites do tolerável: contra a crise, domínio público. Explicamos: a lei do direito autoral protege os direitos de um autor até 70 anos depois de sua morte, daí em diante a obra cai em domínio público. Biliu não quer que o seu público espere tanto tempo para desfrutar do seu trabalho artístico com plena e total liberdade, então já liberou todo conteúdo do seu CD batizando-o com o titulo “Domínio Público”. Você pode ouvir, reproduzir, compartilhar e o que mais inventarem por aí. A obra já nasce em domínio público, só não escuta quem é surdo.
O CD é um dos melhores já gravados por Biliu, se não for o melhor de todos. São 14 faixas que contemplam diversos gêneros e ritmos da música popular, como diria o próprio Biliu é mais sortido que fiteiro em ponto de ônibus.
O time de músicos escalados para acompanhar o cantor e compositor bem que poderia se chamar “Butantan” porque só tem cobra criada nas sete notas: Luizinho Calixto (fole de 8 baixos e acordeon), Waguinho Duduta (cavaquinho e viola), Biu Allan Bicke (acordeon), Jeyves Melo (contrabaixo), Pedro Miguel (violão de seis e sete cordas), Breno Tavares (violão de sete cordas), Henry Guerra (violino), Sarayva Luiz (flauta), Cledilson Tadeu (trombone), Fernando Alves (trompete), Clayton (Zig), Cafute e Henrique do Vale (percussão geral).
Também um sambista matreiro, no melhor estilo de Germano Mathias, Bezerra da Silva e do próprio Jackson do Pandeiro que era um sambista de primeira, Biliu, que antes de enveredar pelo forró já cantava sambas com rara maestria, revisita o gênero em nada menos que 3 faixas do disco. A primeira delas, abrindo o repertório do CD, é “Beleza Natural”, composição de Adauto Ferreira que aborda, de maneira original, a temática trazida por Dorival Caymmi na antológica “Marina”. Na seqüência vem outra paulada: “Chá de sumiço” letra e música de Biliu, samba de gafieira, bom de se ouvir e ainda mais de se dançar, um verso da letra se agarra logo na memória do ouvinte: “derramei o chá de sumiço para ela nunca mais tomar”.
O terceiro samba do CD também é da lavra de Biliu, “Se ligue malandro”, uma pegada bezerriana-da-silva com uma letra que exprime toda verve irônica de cronista do cotidiano que Biliu tem e é um dos pontos altos de sua expressão artístico-musical.
A toada “Terra, vida e esperança” de Jurandir da Feira, ganhou uma interpretação inspirada e comovente, outro forte elemento do talento de Biliu.
“Balada do açude velho”, belíssimo poema de Orlando Tejo, vem acompanhado de um rojão composto por Biliu, faixa que dura nada menos que 5 minutos e meio de pura e merecida exaltação do nosso histórico e sempre novo açude velho.
A faixa 7 traz uma releitura de “Lamento Sertanejo” (Dominguinhos-Gilberto Gil), além do refinado dedilhado de Luizinho Calixto no fole de 8 baixos valorizando sobremaneira o arranjo, tem ainda a luxuosa participação de Eloisa Olinto com seu timbre inconfundível e sua afinada e sensível interpretação.
“Jackson pandeireando” é um coco que Biliu apresenta como tributo aos grandes coquistas do passado e canta com aquela segurança que poucos, muito poucos, detém na música popular nordestina.
Na faixa 10 temos um frevo-arrojado, um surpreendente e saboroso arranjo para a já clássica “Paraíba jóia rara” de Tom Oliveira, citando en passant “Chiclete com banana” de Gordurinha.
“Pássaro” é um poema que Palmeira Guimarães fez e dedicou ao poeta José Laurentino, Biliu musicou e interpreta de forma tocante esse libelo pela liberdade dos pássaros aprisionados nas grades da insensatez humana.
Fechando o CD tem a novíssima “Tô nem aí”, feita no calor do momento histórico que vivemos, crítica mordaz mas bem humorada aos mal feitos da nossa triste realidade infestada de mosquitos e políticos que tanto mal fazem ao nosso povo.
“Domínio Público” traz ainda outras faixas que nos abstemos de comentar para poder propiciar ao ouvinte o sabor de sua própria descoberta, explorem com atenção.
Biliu de Campina está de volta ao disco neste ano de 2016, como sempre trazendo um repertório substancioso assentado no melhor que existe na nossa música popular. Não vamos incorrer outra vez no erro de esperar que o artista morra para poder valorizar o seu trabalho e botar uma estátua dele em algum ponto da cidade. O momento de prestigiar, ouvir e avaliar o trabalho de Biliu é agora, com ele convivendo entre nós e dando essa imensa contribuição para iluminar a escura paisagem musical brasileira da atualidade com o seu céu cheio de cometas e quase nenhum astro.
1 comentários
Excelente. Parabéns, Romero! Convite aceito.
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