Elisabete da Áustria, Sissi A Imperatriz, em Série, Filmes e Livros

dezembro 05, 2022


Uma das personalidades femininas mais influentes do século XIX foi sem dúvida alguma a imperatriz Elisabete da Áustria, conhecida mundialmente pelo apelido familiar Sissi. Ela nasceu no dia de Natal de 1837 na Baviera, era um lindo dia de domingo, dourado e aquecido pela radiante luz do sol. Em seu diário escreveu “talvez porque nasci num domingo, filha do sol, minha vida está cheia de prodígios”. Sissi era uma mulher ainda hoje pouco compreendida que se impôs num mundo predominantemente masculino, fazendo-se ouvir através de sua inteligência e sensibilidade. Unindo razão e emoção, cérebro e coração, atuando no campo da política com rara habilidade conseguiu unir sem precisar dar nenhum tiro dois grandes países, Áustria e Hungria, num só reino fortalecido não pelas armas, mas pela união e fraternidade do povo que a amava incondicionalmente. Não por acaso o poeta alemão Heinrich Heine e o escritor polímata Johann Wolfgang von Goethe eram as suas principais influências e inspirações no terreno literário.

Sissi foi uma ecologista muito antes desse termo entrar para o léxico da ciência, amazona hábil adorava longas cavalgadas pelo campos da Baviera, via nos pássaros, plantas e animais uma extensão da criação que merecia o mesmo respeito, cuidados e carinho por parte dos humanos.

Em seu livro Mi Amiga La Emperatriz Sissi (Espanha: Porcia Publishing Corp.; 2013) Marguerite Cunliffe-Owen, que conviveu de perto com ela e lançou a primeira edição desse relato íntimo em 1906, diz que Elisabete era “uma singular combinação de anjo e deusa, uma ninfa grega e uma virgem cristã fundidas em uma só pessoa”. Essa pequena definição transcende uma interpretação assentada apenas em questões de gênero, sociologia ou política e nos indica que a simples razão pura, como observou Kant, não é suficiente para compreender em profundidade um ser tão especial, para isso teríamos de nos valer da metafísica. Talvez isso explique o porquê de até hoje essa personagem histórica permanecer um enigma não decifrado em sua plenitude.

Sua vida vai de um verdadeiro conto de fadas na adolescência (a festa do seu casamento, realizado no dia 24 de abril de 1854, durou uma semana e contou também com a presença do imperador Pedro II, primo do seu marido) até uma tragédia covarde e abjeta na maturidade (foi assassinada em 1898, aos 60 anos de idade); uma vida assim é um atrativo muito especial para novelistas, romancistas, roteiristas de filmes e séries e, claro, biógrafos. Nesses 124 anos de sua morte, completados no último dia 10 de setembro, os escritos sobre Sissi se multiplicam e ultrapassam uma centena, filmes e séries já somam mais de duas dezenas.

Em quase todos os anos, desde 1921, ano do primeiro registro documental de Sissi, o filme de apenas meio minuto Kaiserin Elisabeth von Österreich feito por sua sobrinha Marie Larisch, a Áustria e a Alemanha lançam filmes, séries e documentários sobre Elisabete.

Em julho desse ano de 2022 estreou nos cinemas da Áustria o filme Corsage, uma abordagem da vida de Elisabete aos 40 anos de idade dirigida por Marie Kreutzer e com Vicky Krieps no papel da imperatriz.

Outra estreia desse mesmo ano é a série A Imperatriz, lançada pela Netflix, em 29 de setembro. Superprodução alemã, criada por Katharina Eyssen e dirigida por Katrin Gebbe e Florian Cossen, tem nos principais papeis Devrim Lingnau (Sissi), Philip Froissant (Imperador Francisco José) e Melika Foroutan (Sophia, a autoritária e dominadora mãe de Francisco).

Gravada na Baviera, na Alemanha, de 9 de agosto de 2021 a 14 de janeiro de 2022, em muitas locações onde os fatos narrados aconteceram, a série tem figurinos e direção de arte impecáveis e um elenco competente que inclui jovens atores e atrizes da nova geração alemã e veteranos. Quanto à interpretação dos fatos reais é claro que há alterações e inclusões de situações para fins de melhor dramatização que não correspondem à realidade. Por exemplo, a relação do jovem cunhado Maximiliano com Sissi é apresentada de forma totalmente ficcional, descolada dos fatos históricos, e tem outras situações que também fogem totalmente da história verdadeira. Os números de dança da valsa nos salões vienenses também foram estilizados em nome de uma “contemporaneidade”, sabe-se lá o que isso quer dizer. Todavia, as qualidades da produção, notadamente sua mis-en-scène, superam bem esses deslizes e vale a pena investir um tempo para ver. A primeira temporada tem 6 episódios num total de 342 minutos de duração, espera-se o lançamento de nova temporada em breve.

A personagem Sissi apareceu no cinema de ficção a primeira vez na década de 1930, o filme era o drama Mayerlingn (1936), dirigido pelo ucraniano Anatole Litvak, que conta a tragédia real do filho de Elisabete, Rodolfo, que se suicidou depois de matar sua namorada no dia 29 de janeiro de 1889. Era um romance proibido por seu pai, o imperador Francisco José, pois além de ele ser casado ela era plebeia. Coube à atriz francesa Gabrielle Dorziat inaugurar a presença da personagem Sissi no cinema, ainda que apenas como coadjuvante.

Dezenove anos depois desta primeira aparição é lançado em fevereiro de 1955 o filme Ludwig II - Esplendor e Miséria De Um Rei drama histórico sobre um primo de Elisabete, o imperador Ludwig II da Baviera. A atriz alemã Ruth Leuwerik interpreta a imperatriz do império austro-húngaro.

Porém foi uma trilogia, cuja primeira parte foi lançada em dezembro deste mesmo ano de 1955, que fez sucesso no mundo inteiro e contribuiu para fixar no imaginário popular a figura dessa kaiserina de rara beleza física e personalidade indecifrável pelos parâmetros meramente humanos.

São três produções austríacas (distribuídas em DVD pela Versátil Vídeo) roteirizadas e dirigidas por Ernst Marischka onde Elisabete Amália Eugênia, seu nome de batismo, é a protagonista: Sissi (1955); Sissi, A Imperatriz (1956) e Sissi e o Seu Destino (1957). Nos três filmes a então adolescente austríaca Romy Schneider interpreta a imperatriz, sua semelhança com a Sissi verdadeira acabou fazendo com que ela se transformasse numa sósia perfeita de Elisabete. Até hoje muitos livros, romances ou biografias sobre Sissi, trazem na capa a imagem da atriz. Em 1962, o diretor Marischka fez uma compilação dos três filmes num só, lançado com o título Sissi, Para Sempre Meu Amor

Em 1968 é lançada nova versão do drama Mayerling, agora colorido e dirigido pelo inglês, nascido em Xangai na época do domínio britânico na China, Terence Young. Ava Gardner, uma das musas da era de ouro de Hollywood, interpreta Sissi.

Já na maturidade, Romy Schneider voltou a viver a personagem a pedido do seu grande amigo o diretor italiano Luchino Visconti. Foi na segunda versão da vida de Ludwig produzida em 1973, Ludwig: A Paixão De Um Rei. Dessa vez não se trata da Sissi adolescente, ela já está na idade adulta e tem uma amizade profunda com o seu primo mecenas e amante da arte, tido como louco, imperador Ludwig II da Baviera.

Numa nova versão cinematográfica da vida de Ludwig, o filme alemão Ludwig II, lançado em 2012, a personagem Sissi é interpretada pela atriz Hannah Herzsprung.

Se os filmes em sua maioria traem a realidade em nome do desenvolvimento da ação dramática, os livros por sua vez procuram se aproximar ao máximo dos fatos, afinal trata-se de um personagem de carne e osso que teve existência física no espaço e no tempo.

O principal livro sobre Elisabete foi escrito por ela mesma ao longo de sua vida, Das Poeische Tagebuch (Diário Poético), uma reunião de poemas e observações pessoais sobre a vida na corte austríaca. A primeira edição só foi publicada em 1984 e ainda hoje é vendido em todo o mundo com a renda obtida sendo destinada para o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados conforme vontade expressa por Sissi antes de morrer, infelizmente não existe uma edição em português.

Outro livro bastante interessante sobre ela é Elisabeth, Emperatriz de Austria-Hungria. La Verdadeira História de Sissi, lançado em 1995 pela Editorial Planeta da Espanha. O autor, Ángeles Caso, reuniu trechos das biografias dela feitas por Egon César Conte Conti e Brigitte Hamann, além das anotações do diário do professor de grego de Sissi Constantin Christomanos, o resultado é um perfil pessoal bem aproximado da realidade dos pensamentos e sentimentos da imperatriz.

A mais nova publicação em livro sobre a vida, os lugares e o tempo de Elisabete da Áustria-Hungria é em português: Sissi e o Último Brilho De Uma Dinastia: Uma Breve História Não Contada Dos Habsburgos escrito a quatro mãos por Paulo Rezutti e Cláudia Thomé Witte (São Paulo: Leya; 2022).

É um levantamento completo da dinastia dos Habsburgos, casa real da Áustria, da qual Sissi, e a princesa Leopoldina do Brasil, por exemplo, faziam parte. Além da pesquisa bem apurada e um texto dividido em blocos curtos que facilitam a leitura daqueles que estão afastados desse hábito ou simplesmente não o tem, a riqueza iconográfica do livro salta aos olhos: entre desenhos, pinturas e fotografias, são 100 ilustrações, 26 delas coloridas!

O livro, de 264 páginas, traz também um organograma dos Habsburgos que ajuda o leitor a situar os personagens em seu tempo e parentescos.

Rezutti e Witte em sua breve história não contada dos Habsburgos introduzem de forma clara e didática (sem didatismo), numa prosa gostosa que beira o romance, essa personagem fascinante que, como definiu de maneira sucinta o escritor Ángeles Caso, “parecia viver com os pés na terra, e, em realidade, pisava o céu”.


1 comentários

  1. A leveza e a precisão do texto tornam o conteúdo fílmico mais atrativo. Tem um olhar de cinéfilo que cruza com o olhar do cineasta e do crítico e se aprofunda no tempo e no espaço e retorna ao cotidiano, ao futuro do presente. Único e gostoso de ler, o texto lança um novo olhar sobre Sissi, Goethe, Francisco José e outros “personagens de carne e osso que tiveram existência física no espaço e no tempo”. Babitóliocapilônia , melhor blog de cinema e outras coisitas mais.

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