O Cinema Também Protesta Contra a Guerra
junho 29, 2022O cinema sempre foi integrado à máquina publicitária das guerras, quer seja antes na propaganda para convencer os jovens a se alistarem para morrerem ou voltar mutilados “pela pátria”, quer seja durante o conflito para alimentar o ufanismo e o apoio da sociedade civil, quer seja depois exaltando os feitos dos vencedores e derrotando mais uma vez, agora no campo da comunicação de massa, os perdedores.
Um estudo detalhado sobre a utilização do cinema como propaganda política-militar é "De Caligari a Hitler Uma História Psicológica do Cinema Alemão" de Siegfried Kracauer, livro raro cuja última edição brasileira foi lançada em 1988 por Jorge Zahar Editor.
Mas existe um cinema que sempre se posicionou contra a estupidez das guerras e mostra em poderosas imagens e diálogos essa corajosa posição antibelicista.
São filmes que se impõem pela sua verdade e sinceridade, não estão do lado da facção B ou facção A, estão sim se opondo à insanidade de todas as guerras.
Fizemos uma lista com filmes sobre essa temática, se você puder ver alguns deles, ou todos, não perca tempo. Garanto que vai sair enriquecido dessa experiência.
O primeiro filme que indicamos é "Johnny Vai À Guerra" (exibido recentemente no Cineclube do Memorial “Casa de Severino Cabral”, do qual somos curadores de programação e debates). É uma produção de 1971, dirigida por Dalton Trumbo, lendário roteirista dos anos 40, 50,60 e 70 em Hollywood. O filme é uma adaptação do próprio livro escrito por Trumbo em 1938 ("Uma Arma Para Johnny", a edição da Civilização Brasileira, lançada em 1967, pode ser comprada na Estante Virtual), e narra a estória de um soldado que fica gravemente mutilado na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) restando apenas as funções vitais, o cérebro e a consciência intactos. É a guerra vista a partir das reflexões de um morto-vivo e a opinião dos militares que o mantém vegetando aprisionado numa cama de hospital.
Embora, como sempre, o livro seja mais completo, a transposição para a linguagem cinematográfica, feita pelo próprio Dalton Trumbo, conserva a essência do texto e, em alguns momentos, como na cena final, o efeito dramático é superior ao do livro.
Outro manifesto contra a guerra em forma de filme é o excelente "Vergonha" (foto), de 1968, ano do ápice das atrocidades na guerra do Vietnã como o massacre de My Lai, por exemplo. Um casal de ex-músicos profissionais mora numa fazenda em uma ilha predominantemente rural, a guerra avança sobre eles e começa a ameaçar suas vidas e o pouco que eles têm. O filme não mostra cenas de batalhas, apenas tropas se deslocando sem identificação de país, corpos de pessoas mortas, casas destruídas ou em chamas. Ao optar por essa forma narrativa, o diretor sueco Ingmar Bergman reforça a opressão da guerra sobre a vida das pessoas comuns (inclusive animais domésticos) e deixa claro que qualquer guerra, não importando suas motivações, é uma vergonha para a humanidade e não existe explicação que a justifique.
Um notável libelo antibélico é "Uma Vida Oculta" (2019). O diretor Terrence Malick aborda um evento real: a história de um herói desconhecido, Franz Jägerstätter, que se recusou a lutar pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Quando o camponês austríaco é ameaçado de execução por traição, é sua fé inabalável e seu amor por sua esposa, Fani, e seus filhos que mantêm seu espírito vivo. Um exemplo de dignidade, coragem e honra em oposição ao estrupício que é a guerra. Deveria ser exibido nas escolas como matéria obrigatória.
Já finalizando, não por falta de títulos, mas porque nosso espaço é curto, indico o impactante "A Ascenção", dirigido pela ucraniana Larisa Shepitko em 1977. Talvez o mais profundo filme sobre a tragédia da guerra e a sordidez e crueldade dos desalmados envolvidos nela com sua total ausência de humanidade. Uma visão realista do que é no fundo uma guerra: um jogo sujo de poder disfarçado de cruzada patriótica.
Temos ainda não um filme “de guerra”, mas “sobre a guerra”. É o documentário japonês "O Exército Nu do Imperador Continua Marchando", de Kazuo Hara, feito em 1987. Nele o cineasta acompanha o ex-combatente Okuzaki Kenzo durante os anos de 1982 até 1987, em sua campanha para denunciar os crimes cometidos pelo exército do imperador Hiroito durante a segunda guerra, inclusive casos de canibalismo praticados contra soldados e oficiais de baixa patente. Numa cruzada solitária, incansável e corajosa num carro de som através de várias cidades, Okuzaki persegue seus ex-oficiais (responsáveis pelos crimes) exigindo que peçam desculpas às vítimas de seus inaceitáveis crimes de guerra.
Por último listamos "Hair" de Milos Forman (1979), adaptação para o cinema do hoje cult musical da Broadway de 1967, escrito por James Rado e Gerome Ragni, também letristas das músicas compostas por Galt MacDermot, músicas que se eternizaram no repertório pop internacional. O filme, multicolorido em seus figurinos de época, conserva o frescor e a juventude do movimento hippie cantando e dançando pacificamente nas ruas e praças de New York, lutando pelo fim da guerra no Vietnã, uma guerra absurda, como todas as guerras, que estava trucidando os jovens americanos e o povo vietnamita.
Já foi dito que a maior forma de corrupção é o assassinato, ele subtrai o bem para o qual não tem reposição: a vida. A guerra é o altar profano onde se celebra essa corrupção maior, não aceitá-la em hipótese alguma é imperativo e inadiável. Reflita sobre isso.
(Publicado originalmente na revista Conviver, número 25, junho de 2022)
9 comentários
Excelente lista e ótimo texto.
ResponderExcluirObrigado poeta
ExcluirÓtimas indicações. Me recordo que um dos filmes mais impactantes que já vi sobre o tema ser o filme soviético "Vá e Veja", de Elem Klimov.
ResponderExcluirE esse livro do Kracauer foi ressuscitado pela internet, com PDFs em inglês.
Sim, é um dos melhores sobre o tema. Tem ainda "A balada do soldado", "Corações e Mentes"....
ExcluirMuito interessante essas suas indicações e com certeza a guerra é só um desejo de alguns hipócritas que têm o governo do país e pensa que pode fazer tudo em favor das suas pseudos ideologias.
ResponderExcluirEsses filmes encontro no YouTube?
ResponderExcluirNão sei lhe responder essa pergunta. Obrigado pela visita e comentário
ExcluirEu me pego desviando a minha atenção dessa chocante carnificina em massa que assistimos nas telas. Será covardia? Um pouco, mas também impotência potente. O texto me faz perceber que cada um em seu campo de atuação, pode fazer alguma coisa. Porque “(...) qualquer guerra, não importando suas motivações, é uma vergonha para a humanidade e não existe explicação que a justifique”. Apelar pela humanidade dos humanos. Obrigada, Romero.
ResponderExcluirA guerra é um exemplo máximo da estupidez humana. Qualquer alusão à guera me faz lembrar de documentários com cenas reais da invasão japonesa na china no final da década de 1930.
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