Dez Anos de um Livro Danado de Bom e Uma Revelação

maio 03, 2022

O Fole Roncou! Uma História do Forró, obra indispensável para quem gosta de cultura brasileira, está completando dez anos do seu lançamento. O livro é o resultado de uma apurada pesquisa feita pelos jornalistas paraibanos, radicados em Brasília, Carlos Marcelo Carvalho e Rosualdo Rodrigues. São 470 páginas preenchidas com informações inéditas obtidas através de entrevistas, pesquisas em acervos, hemerotecas, discotecas, videotecas, bibliotecas. Dados coletados à parte, o livro traz também uma série de fotografias preciosas dos principais artistas da música popular produzida no Nordeste e, de quebra, quase 50 capas de discos raros gravados por esses artistas (daí recomendo a versão impressa do livro, a digital, e-book, traz essas capas em preto e branco).

Não é demais dizer que o livro dos jornalistas preenche uma lacuna enorme na historiografia da música popular brasileira. É verdade que existe quase uma centena de livros sobre Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro também ganhou uma biografia, mas um livro reunindo todos, ou quase todos, artistas nordestinos que se dedicaram no século 20 e neste iniciante século 21 ao que de forma genérica se chama de “forró”, até a publicação deste, não existia.

Do pioneiro Gonzagão até as bandas paulistas de “forró universitário”, passando por Zé Calixto, Marivalda, Dominguinhos, Assisão, Ary Lobo, Genival Lacerda, Sivuca, João do Vale, Marinês e sua gente, e muitos, muitos outros artistas, O Fole Roncou... é uma enciclopédia que enfeixa uma história bonita contada por diversos personagens, homens e mulheres, que construíram essa longa e sinuosa estrada chamada “forró”, hoje uma autopista, com muito xote, coco, maracatu e baião que carregavam em seus matulões. E o melhor de tudo é que a narrativa de Carlos e Rosualdo “tem a clareza e a abrangência de um texto jornalístico”, como atesta Braulio Tavares na orelha do livro, tornando a leitura mais que agradável, viciante diria até, pois é daqueles livros que você abre e não desgruda mais dele, mantendo o interesse da leitura até o final.

A partir da página 240, por exemplo, ficamos sabendo que a censura da ditadura também perseguiu e proibiu artistas como João Gonçalves que teve uma tiragem de 3.600 cópias do disco Nordeste de hoje retirada das lojas e incinerada pela repressão, o cantor também foi impedido de subir no palco em algumas cidades onde tinha show anunciado. Genival Lacerda também não escapou da ira dos fariseus da censura, a música Munguzá de coco foi “proibida em qualquer lugar público, inclusive casas de vendas de discos”.

A intimidade dos estúdios de gravação dos discos, as sessões fotográficas para a produção das capas dos Lps, a escolha do repertório, as pequenas alterações nas letras das canções para evitar problemas com a censura, tudo é revelado pelos jornalistas nesse livro que deveria compor as bibliotecas das escolas do Nordeste, ao menos das escolas públicas.

Grande parte dos artistas entrevistados já não estão entre nós, como é o caso de Geraldo Correia, Duduta, Elino Julião, Dominguinhos, Marinês, Genival Lacerda, Sivuca, João Silva, Lindú, Zé Calixto, Jacinto Silva, o que torna esses depoimentos mais que especiais.

O primeiro São João pós plandemia se aproxima, é tempo de ouvir forró (deveria ser o ano todo) e ver e ouvir os artistas se apresentando “em carne e osso” como se dizia antigamente nas praças e palcos dos nove estados da região. É tempo também de aprender mais um pouco sobre esse importante movimento inaugurado por Luiz Gonzaga na década de 1940, um movimento que cresceu, deu muitos frutos e permanece firme e forte no rumo do século 22. O livro O Fole Roncou! Uma História do Forró, obra escrita a 4 mãos com amor e conhecimento de causa é o melhor caminho para conhecer de perto o mundo do forró e dos forrozeiros. Vamos lá?

Agora a revelação: O primeiro capítulo do livro começa com essas palavras: “-OLHA, UM CANGACEIRO! Quando Luiz Gonzaga surgiu na sacada do auditório da Rádio Borborema, os meninos que passavam pelo calçadão da rua Cardoso Vieira no centro de Campina Grande, não tiveram dúvida em reconhece-lo como um dos integrantes do bando de Lampião. A figura imponente de Gonzaga, todo paramentado, couro na cabeça e nós pés, assustava e fascinava a criançada da cidade paraibana. Eles o conheciam não de vê-lo, mas de ouvi-lo no rádio e nos sistemas de alto-falantes que tocavam as músicas do sanfoneiro.

Mal sabia a garotada campinense que, apesar dos trajes, Gonzaga não era um cangaceiro...”

Esse episódio está contado corretamente no livro e, no contexto da narrativa, não vinha ao caso citar o nome dessas crianças, embora existiam - ainda existem- de verdade.

Os meninos citados nesta abertura do livro somos eu e o meu irmão Rômulo Azevedo. Esse fato aconteceu em 1961, tínhamos 8 anos de idade, vimos no Capitólio A morte comanda o cangaço, a aventura rural dirigida por Carlos Coimbra, nesse filme conhecemos a figura do “cangaceiro” que já ouvíamos falar nas histórias contadas por nosso pai José Francisco, mas nunca tínhamos visto a estampa.

Naquela manhã, já perto do meio-dia, passamos com nossa mãe, a professora Wanda Elizabeth, na porta da Rádio Borborema (onde hoje está o Calçadão) e vimos aquele “cangaceiro”, negro como o ator Milton Ribeiro (aquele primeiro “cangaceiro” que vimos na tela do Capitólio). Era Luiz Gonzaga, cercado por uma pequena multidão, lenço vermelho atado no pescoço, chapéu de couro estrelado, gibão prateado, camisa azul-mescla. Foi um espanto e uma alegria para nós ver ali em plena Cardoso Vieira um “cangaceiro de verdade”.

Esse episódio está contado num artigo que Romulo fez para o Jornal da Paraíba em 2001, por ocasião do lançamento do CD Luiz Gonzaga volta pra curtir.

É isso aí.

4 comentários

  1. Muito bom, o livro de fato é um marco na história da musicografia nordestina. Bem que merecia uma segunda edição, muitos se tem ainda para contar.

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  2. Acredito que seja um livro de grande importância para a nossa cultura e portanto deveria ser mais divulgado pois por incrível que pareça eu não tinha conhecimento do mesmo, vou fazer questão de adquirir para a minha biblioteca.

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  3. Mas um excelente "causo" da nossa terrinha, e que vem com a dosagem informativa sempre muito bem embasada do senhor, professor! Livro necessário em qualquer biblioteca - e está faltando aqui na minha!!

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