Mazyl Jurema: Primeira Atriz de Campina Grande a protagonizar no cinema, há 92 anos

março 01, 2022


Campina Grande, não é de hoje, tem uma tradição de atrizes que atuaram e atuam no cinema brasileiro. A primeira delas entrou num set de filmagens ainda nas primeiras décadas do século passado, você vai conhece-la agora.

Dia desses, conversando com o amigo professor-doutor-pesquisador João de Lima, do Departamento de Comunicação da UFPB-João Pessoa, ele me falou rapidamente que havia visto num dos números da revista Cinearte (1926-1932) uma referência à atriz Mazyl Jurema de Campina Grande. Comecei minha investigação e constatei que sim, houve uma atriz nascida em Campina Grande que atuou como protagonista num filme de longa metragem produzido em Recife no ano 1930 do século passado, dentro do período da história do cinema brasileiro que ficou conhecido como Ciclo do Recife.

Nas duas primeiras décadas do século 20 houve uma descentralização da produção cinematográfica que ainda engatinhava no Brasil e era concentrada no eixo Rio-São Paulo. Surgiram polos de produção no Rio Grande do Sul, interior de São Paulo (notadamente em Campinas), Minas e Pernambuco.

O Ciclo de Cataguazes em Minas Gerais, liderado pelo cineasta Humberto Mauro, que foi devidamente estudado por Paulo Emilio Salles Gomes na seminal obra Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte (São Paulo: Perspectiva,1974), é tido como o mais importante ciclo regional do início do século passado, seguido pelo Ciclo de Recife que foi o que produziu mais (13 longas de ficção e 18 documentários).

O ciclo de cinema do Recife foi iniciado ainda na era do cinema mudo em 1923 e reunia um grupo de fãs que resolveu passar da condição de meros espectadores para a de produtores de filmes. Edson Chagas, Gentil Roiz, Jota Soares, Ary Severo e sua esposa Almery Steves, Dustan Maciel, Luiz Maranhão, Pedro Neves figuram entre esses pioneiros que conseguiram realizar 13 longas em 7 anos de atividade, alguns desses filmes tiveram repercussão nacional como é o caso de A Filha do Advogado exibido também no Rio e em São Paulo (link aqui)

Antes de prosseguir, um parêntese: em 1971 participamos, meu irmão Rômulo Azevedo e eu, de uma retrospectiva do Ciclo do Recife promovida pela Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, leia-se Cosme Alves Neto. Na sessão que exibiu o filme Jurando Vingar, dirigido por Ary Severo em 1925 (disponível no Youtube), conhecemos pessoalmente o ator Dustan Maciel, o próprio Ary Severo e sua esposa a atriz Almery Steves (ela então com 67 anos) e Pedro Neves, quatro importantes personagens do ciclo pernambucano. Também foram exibidos na retrospectiva do MAM os filmes Aitaré da Praia (1925) (link aqui)Revezes (1927) (link aqui) e A Filha do Advogado (1926) link acima. 

Doze anos depois, em 1983, fizemos no Departamento de Artes da UFPB (hoje UFCG), uma Mostra do Ciclo do Recife onde exibimos 2 longas e lançamos, com a presença do realizador Fernando Spencer, o filme Almeri & Ari Ciclo do Recife e da Vida, documentário sobre os pioneiros Ary Severo e Almery Steves atriz de quatro filmes do Ciclo do Recife (disponível no Youtube).

Voltando à nossa atriz Mazyl Jurema, na revista Cinearte, publicação semanal especializada em cinema e editada no Rio de Janeiro sob a direção de Mario Behring e Adhemar Gonzaga , número 228 de 9 de julho de 1930, há uma entrevista com ela feita por um dos “redactores” de “A Provincia”, de Recife (conservamos a grafia da época), a jovem atriz em seu primeiro trabalho no cinema, e já como protagonista, disse: 

“Tenho vivido quasi toda a minha infância em Campina Grande, na Parahyba, onde jamais passou-me a idéa de trabalhar em films... Apesar disso, um amigo da nossa família, residente no Rio de Janeiro; não se cansava na proposta de uma ida até lá... Isso, naquelles tempos da Benedetti (Paulo Benedetti, pioneiro do cinema brasileiro que fez mais de 50 filmes entre 1923 e 1931) em que viamos e admirávamos "(A)Esposa do Solteiro” (Longa produzido por Paulo Benedetti e dirigido por Carlo Campogalliani em 1926) Mas eu, antes de tudo, julgava a idéa impossível de se realizar. E, por isso, faltou-me coragem para a aventura. Assim, contentava-me com o Grupo Escolar, cujas representações semestraes, eram, para mim, uma grande satisfação”.

Ainda na mesma entrevista Mazyl prossegue: “No emtanto, logo após a minha vinda para o Recife, tive o ensejo de ler, atravez de um jornal, um annúncio da "Liberdade Film", no sentido de adquirir o typo justamente preciso para a sua próxima produção. Neste mesmo dia, á tarde, comparecia ao escriptorio de Luiz Maranhão, gerente da empresa, levando as photographias para o "test" exigido. Mas nada ficou resolvido ainda e só no dia seguinte, mediante a minha victoria entre as demais candidatas, posei para as primeiras scenas do film". 

O filme era No Cenário da Vida que foi citado a primeira vez na Cinearte numa nota, com direito a fotografia de parte do elenco, incluindo Mazyl, no número 226, publicado em 25 de junho de 1930. Diz textualmente a nota: 

"No Scenario da Vida", que Luiz Maranhão está dirigindo, em Recife, reúne, no seu elenco, Mazyl Jurema, Alfredo Coelho, Manoel Coelho, Severino Coelho e mais alguns elementos bons, entre os quaes mais uma artistazinha principiante e interessante: Nita Palmer... A convite de Luiz Maranhão, entraram, entre outras figuras conhecidas, Dustan Maciei e Pedro Neves, em mais um ligeiro trecho cômico. O film já deve estar terminado e, naturalmente, sua exhibição não tardará”.

Em 23 de julho de 1930 saiu o número 230 da revista Cinearte, trazia na capa a atriz americana Gloria Swanson. Neste número Mazyl Jurema ganhou um grande destaque em nada menos que duas páginas contendo uma nova entrevista com ela, ilustrada com 5 fotos grandes. O título da reportagem, em letras garrafais, exalta sobremaneira a jovem atriz paraibana: “Mazyl Jurema, a estrella do Norte”.

A estreante no mundo do cinema, mas já tratada como uma estrela da tela grande, voltou às páginas da revista numa nova foto de uma cena de No Cenário da Vida, um beijo entre ela e o ator Rodolpho Cavalcanti, foi publicada na página 9 da edição número 237 da Cinearte, lançada em 10 de setembro daquele ano de 1930.

A última citação do nome de Mazyl na conceituada revista Cinearte de circulação nacional foi no número 243, lançado em 15 de outubro de 1930, trazendo na capa a atriz sueca Greta Garbo. Num tópico intitulado Cinema do Brasil, se lê: “Os films produzidos em Pernambuco podem não ser os melhores, mas todos têm sido feitos com muita constância e força de vontade e todos têm sido exhibidos. Mesmo que a sua exhibição se restrinja no Estado, já representa uma animação para os seus produtores que assim, com actividade, vão melhorando sempre. Para os que vivem a propalar que o nosso Cinema vive apenas das photographias nas revistas, deve ser interessante saber que "No Scenario da vida", foi exhibido no Moderno de Recife. Como se sabe, o film foi photographado por Edson Chagas, tem um argumento de Mario Mendonça e Jota Soares e a direcção de Luiz Maranhão. Nos principaes papeis estão Severino Coelho que se destacou bastante, dizem, no papel de villão, Cláudio Celso, Mazyl Jurema e Nita Palmer.” 

No Cenário da Vida, filme mudo, seria lançado em pleno apogeu do cinema sonoro e apesar do empenho de Jota Soares em tentar sonorizar algumas cenas sincronizando discos em tempo real durante a projeção, o público exigia a novidade dos “talkies” americanos, como eram chamados os filmes sonoros, e acabou rejeitando esse tipo de cinema tido como ultrapassado. No Cenário da Vida foi o canto de cisne do Ciclo do Recife que não resistiu ao impacto da nova e cara tecnologia do som e encerrou suas atividades depois de sete anos de uma intensa e promissora produção cinematográfica.

Ao nome da pioneira Mazyl Jurema iriam se juntar depois os nomes das atrizes campinenses que também protagonizaram na tela grande do cinema em nível nacional: Cacilda Lanuza (ver aqui), Taíse Costa, Lucy Pereira e Mayana Neiva.

5 comentários

  1. É evidente que o valor histórico deste blog se torna cada vez maior. Não paro de pensar que esses textos tenham que sair do âmbito virtual para as páginas impressas. Parabéns pelo material, professor!!!

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    1. Endosso seu comentário caro Fabiano. Excelente registro da história com a marca de qualidade inquestionável do professor Romero Azevedo.

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    2. Endosso seu comentário caro Fabiano. Excelente registro da história com a marca de qualidade inquestionável do professor Romero Azevedo.

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  2. Importante registro. Resgate histórico digno de quem é empenhado com a cultura cinematográfica. Parabéns professor.

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  3. Elementos importantes para pensar os desaparecimentos e as sobrevivências de importantes experiências artísticas da nossa realidade atual. Parabéns !!

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