Cacilda Lanuza: Nossa Primeira Estrela Nacional

junho 24, 2020

Com o ator Rildo Saraiva na pré-estréia de "O Canto do Mar" (1953)

A primeira atriz de Campina Grande a fazer sucesso nacional na televisão, no cinema, no teatro e no rádio foi Cacilda Lanuza.  Ela teve uma brilhante carreira que durou 32 anos, de 1952 a 1984. Nesse período atuou como atriz, radialista, repórter, radio atriz, locutora e apresentadora.

Cacilda Lanuza de Godoy Silveira nasceu em Campina Grande-PB sob o signo de virgem no dia primeiro de setembro de 1930, quando entrava na adolescência seus pais se mudaram para Recife depois de uma breve passagem por Juiz de Fora (MG), e foi na capital pernambucana onde Cacilda fez sua estreia no mundo artístico como locutora e radio atriz na Rádio Jornal do Commercio, depois de ser aprovada num concurso onde disputou com trezentas candidatas.

Sua voz marcante e a rara beleza chamaram a atenção do cineasta Alberto Cavalcanti que a viu em cena num programa de auditório da Rádio Jornal do Commercio. Recém chegado ao Brasil depois de uma celebrada carreira cinematográfica na Europa , Cavalcanti estava  preparando as filmagens de “O Canto do Mar”, drama ambientado no sertão e litoral de Pernambuco.

Cavalcanti convidou Lanuza, então com 22 anos, para estrelar esse filme que teve estreia numa sessão especial, à  meia-noite, no dia 3 de outubro de 1953 no elegante e charmoso  Cine São Luiz de Recife (depois entrou em cartaz em todo o Brasil).

Cena do filme "O Canto do Mar", com Cacilda (à esquerda)

“O Canto do Mar” ganhou o prêmio de melhor direção no festival de Karlovy Vary (República Tcheca) e concorreu à Palma de Ouro em Cannes (França).

Mas o grande sucesso de Cacilda era mesmo no rádio, o principal veículo de comunicação em massa na época. A atriz campinense trabalhou em novelas como “O Poder do Ódio” (de Raimundo Lopes com direção de Geraldo Lopes) fazendo par com  Amarilio Niceas , um grande ator do “cast” da Radio Jornal. Tanto sucesso fez que  os recifenses a elegeram como Rainha do Rádio do Norte, numa disputada eleição no ano de 1954.

Amarilio Niceas e Cacilda no tempo da Rádio Jornal em Recife

A partir daí Recife começaria a ficar pequena para o talento da atriz paraibana que acabou se mudando para São Paulo. Na capital paulista Cacilda é convidada para trabalhar num veículo que havia pouco tinha sido inaugurado e aos poucos começava a conquistar a preferência do público: a televisão. A empatia com a câmera foi imediata, como já havia sido com o cinema. A desenvoltura no vídeo lhe rendeu o Prêmio Roquete Pinto – Revelação feminina da TV em São Paulo no ano de 1955. Na televisão ela fez de tudo: narração, novela, telejornal e programa de variedades como o primeiro programa feminino da TV brasileira “O Mundo é das Mulheres” ao lado de Hebe Camargo. 

De 1956 a 1959 fez vários teledramas (uma espécie de novela “ao vivo” na televisão), entre eles “Quando Fala o Coração”, “O Último Beijo”, “Orfeu da Conceição” (baseado na peça de Vinicius de Moraes com música de Tom Jobim), “O Vice-Presidente” e “Crime na Casa de Penhor”.

Em 1958, a convite do diretor e ator Dionísio de Azevedo, volta ao cinema no drama “Chão Bruto”. O filme estreou em São Paulo no dia 6 de abril de 1959 ocupando um circuito com dez salas. Além dos prêmios “Saci” de 1959 (o mais importante do cinema brasileiro na época) para melhor roteiro (Dionisio Azevedo e Hernani Donato) e edição (Lúcio Braun), Cacilda arrebatou no Festival de Curitiba desse mesmo ano o prêmio de melhor atriz coadjuvante pelo seu trabalho em “Chão Bruto”.


Ela fez mais 4 filmes:  3 para o cinema, “O Caso dos Irmãos Naves”, dirigido por Luís Sergio Person em 1967; “Trilogia de Terror” (episódio “Procissão dos Mortos”, de Luís Sergio Person, 1968) e “Panca de Valente”, outra direção de Person em 1968 (com o qual faria mais tarde uma bem sucedida parceria no teatro), e um filme  para a televisão, o premiado com o Emmy Internacional de 1982 “Morte e Vida Severina” de Walter Avancini, (ao lado dos conterrâneos Elba Ramalho, José Dumont e Sebastião Vasconcelos).


Na televisão fez ainda onze novelas, uma minissérie e um seriado nas principais emissoras. “O Pintor e a Florista” foi a primeira delas na TV Excelsior (a emissora que havia lançado em julho de 1963 a primeira novela diária da televisão brasileira); em seguida fez “Somos Todos Irmãos” na TV Record; “O Mestiço” foi um grande sucesso da TV Tupi no ano de 1965; neste mesmo ano, também na Tupi, fez “Olhos que Amei”, um drama histórico ambientado na Viena do século XIX; continuou na TV Tupi sob a direção de Geraldo Vietri, texto de Walter George Durst, “Um Rosto Perdido” com Hélio Souto, Lima Duarte, Elias Gleizer, Marcos Plonka, Aracy Balabanian e outros. 

Foi para a TV Bandeirantes em 1967 onde fez “Os Miseráveis”, adaptação de Walter Negrão do clássico homônimo de Victor Hugo, nesta novela de época ela  atuou ao lado de Leonardo Villar, Geraldo del Rey, Raul Cortez, Laura Cardoso, Otávio Augusto, Silvio de Abreu e Rubens Correa. De novembro de 1967 a fevereiro de 1968 foi dirigida por Cassiano Gabus Mendes na novela da TV Excelsior “Sublime Amor” que tinha no elenco Arlete Montenegro, Aracy Balabanian, John Herbert, Irene Ravache, Aracy Cardoso e Hélio Souto. Ainda em 1968 na mesma emissora faz “Os Diabólicos” com Carlos Zara e Gracindo Junior, dirigidos por Henrique Martins. Em 1969 mais uma novela na TV Excelsior de São Paulo “A Menina do Veleiro Azul”, texto de Ivani Ribeiro que é tida como a maior e melhor dramaturga da TV brasileira em todos os tempos e ainda não superada,  no elenco Arlete Montenegro, Leila Diniz, Cleide Yacónis, Sonia Braga, Marcia de Windsor, Claudio Correia e Castro, Ronnie Von e outros.

Entre 16 de agosto de 1971 e  6 de maio de 1972 ficou no ar na novela da TV Globo, co-produção com a TV Cultura, “Meu Pedacinho de Chão”, foram 185 capítulos escritos por Benedito Ruy Barbosa.

Com Helio Souto na telenovela "O Mestiço"

Em setembro de 1983, depois de uma pausa em televisão, Cacilda volta a TV Globo no drama político “Eu Prometo”, último texto de Janet Clair que não pode concluir a novela por que morreu 3 meses depois da estreia. A assistente Gloria Perez, indicada pela própria Janete, prosseguiu o texto sob a supervisão de Dias Gomes. ”Eu Prometo” ficou no ar até fevereiro de 1984 e tinha no elenco Francisco Cuoco, René de Vielmond, Dina Sfat, Marcos Paulo, Joana Fomm, Walmor Chagas, Ney Latorraca, Fernanda Torres, Malu Mader entre outros.

Em paralelo a “Eu Prometo”, Cacilda fez na mesma TV Globo a minissérie de Doc Comparato e Aguinaldo Silva “Padre Cícero”; foram 20 capítulos contracenando com Stênio Garcia, Carlos Vereza, Mario Lago, Cassia Kiss, Débora Duarte, Jofre Soares, Diogo Vilela e os também paraibanos José Dumont (de Bananeiras) e Sebastião Vasconcelos (de Pocinhos).


Na TV Manchete/SBT fez o seriado “Joana” ao lado de Regina Duarte, Marco Nanini, Othon Bastos, Renato Borghi (1984/1985).

A mais que versátil Cacilda Lanuza disse numa entrevista à “Revista do Rádio”, a mais importante publicação especializada da época, no final da década de 50: “Jamais estudei para ser artista. Minha escola dramática foi o “batente”. Atriz natural no cinema e na televisão, e no teatro também.

A arte preferida dessa notável atriz, apresentadora, narradora, locutora e também escritora sempre foi o teatro. Nos anos 1970, desapontada com os rumos do cinema nacional que enveredava pela pornochanchada e a televisão que considerava alienante, Cacilda fez uma pausa  e se dedicou exclusivamente aos palcos onde também brilhou com rara competência em mais de 20 espetáculos interpretando textos dos mais consagrados dramaturgos, como Bertold Brecht, Máximo Gorki, Plinio Marcos, Jorge Andrade, Kurt Weill, Shakespeare, Millôr Fernandes, além dela mesma que escreveu dois monólogos; no palco, ela foi dirigida  por diretores como Antônio Abujamra, Ademar Guerra, José Rubens Siqueira e Juca de Oliveira.

Na peça “O Cordão Umbilical” de Mario Prata, Cacilda foi o principal destaque em cena conforme atesta a crítica de Jefferson Del Rios, publicada na Folha de S.Paulo, edição de 13 de maio de 1970, diz textualmente: “...Cacilda Lanuza realiza uma das mais vigorosas, cativantes e humanas interpretações do teatro paulista na atual temporada. Ela é dona da cena, do personagem, conquistando a simpatia geral do público...”.

No monólogo “O Globo da Morte”, escrito e dirigido por ela mesma, Cacilda fez uma reflexão sobre sua vida, a arte de representar e os impasses políticos e sociais vividos na metade dos anos 1970. No texto que escreveu para o programa da peça ela disse: "Eu tenho pensado muito no sentido verdadeiro e mais profundo do trabalho do ator no teatro. A sua função, a sua força, a sua utilidade, a validade de sua profissão. O ser humano vivenciando arte. Numa linguagem superior. O belo na sua forma mais completa. O elo de uma corrente: autor-ator-espectador. O ator é um meio de comunicação, como a imprensa, a TV ou o cinema, com uma diferença básica: ele não é celuloide, nem tinta num papel, nem imagem fria num imóvel da sala. Ele é vida. Nervos Emoção.".

Com o amigo e diretor Luís Sergio Person, Cacilda integra, ao lado de Suely Franco, o elenco da comédia “El Grande de Coca Cola”, um extraordinário sucesso de público no Teatro Augusta (na época Auditório Augusta) em 1973 e 1974.

Cacilda (esq.), Luis Sérgio Person e Suely Franco: "El Grande Coca-Cola"

Em 1975 faz “Lição de Anatomia”, outro êxito do Teatro Augusta sob a direção de Carlos Mathus que também escreveu o texto.

Depois saiu em excursão com o monólogo “O Globo da Morte” por várias cidades do sul e sudeste do país.

A partir de 1985, depois de 32 anos de trabalho ininterrupto, Cacilda Lanuza se afasta voluntariamente da vida artística para se dedicar pioneiramente  a causa social da ecologia (uma de suas paixões). Com um grupo de ambientalistas funda a ONG Grupo Seiva de Ecologia, emprestando seu prestigio como atriz consagrada no teatro e na televisão para a difusão de ideias e ações visando a proteção aos animais e ao meio ambiente.

Ela morreu no dia 17 de junho de 2018, aos 87 anos, em São Paulo.

2 comentários

  1. Eu não conhecia essa artista paraibana de tão extraordinária atuação. Esse desconhecimento assombroso revela a importância desses lugares de memória coletiva sem os quais a cultura não floresce. Ótima apresentação!

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  2. São essas histórias e esse povo que Campina Grande não pode esquecer! Obrigado, professor.

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