Sophia Loren, aos 86 anos, ilumina a tela na refilmagem de um dos livros mais populares na França

fevereiro 03, 2021

Sophia Loren e Edoardo Ponti no set de Rosa e Momo

O novo filme do diretor italiano Edoardo Ponti, filho do lendário produtor Carlo Ponti e Sophia Loren, concorre ao Globo de Ouro 2021 de Melhor Filme Estrangeiro.

O filme é um remake de Madame Rosa, a vida à sua frente (1977) baseado no romance A Vida à sua frente (1975) de Émile Ajar, um dos cinco pseudônimos do escritor lituano Roman Gairy (1914-1980). O livro andava sumido das estantes das livrarias há mais de 20 anos, agora já está disponível numa nova edição (setembro de 2019) da editora Todavia, traduzido por André Telles.

A primeira versão cinematográfica, ambientada, como o livro, em Paris, traz a estupenda Simone Signoret, sob a direção de Moshé Mizrahi, no papel da velha prostituta judia, sobrevivente de Auschwitz, que ganha a vida na velhice cuidando dos filhos das prostituas jovens, como Momo o menino argelino que ela criou como muçulmano, o filme de 1977 é mais fiel ao romance, mantendo personagens e situações.

A nova versão traz a não menos estupenda Sophia Loren, aos 86 anos de idade, no mesmo papel, sob a direção do filho Edoardo Ponti, no drama ambientado agora na Itália do século 21. Momo é um órfão do Senegal, muçulmano e negro. Morando no mesmo prédio velho sem elevador está Lola, uma transexual ex-lutadora de box, prostituta cujo filho Babu é cuidado por sua melhor amiga, a Madame Rosa.

As licenças poéticas do diretor Edoardo Ponti (em seu terceiro trabalho dirigindo a mãe Sophia) não comprometem o espírito do romance que diz: “É preciso amar”.

A invisibilidade dos deserdados da humanidade, a indiferença do establishment que só enxerga os excluídos pela lente das forças de repressão, os marginais do sistema que se aproveitam dessa mão de obra também marginal para tocar seus negócios ilícitos,  a solidariedade amorosa entre esses párias da sociedade, tudo está presente nesta sensível versão do diretor Ponti realçada pela harmônica fotografia do americano Angus Hudson e uma trilha sonora envolvente e funcional que inclui a  voz da nossa Elza Soares cantando “Malandro” numa das sequencias mais ternas do filme (a bela canção “Io Si”, cantada por  Laura Pausini nos créditos finais, também concorre ao Globo de Ouro de Melhor Canção Original).

Não por acaso o personagem Hamil, vivido pelo ator tcheco Babak Karimi, chama a atenção do menino Momo para o romance Os Miseráveis de Vitor Hugo, ele diz que Hugo mostrou que o bem e o mal são relativos, estão dentro de cada um de nós, só depende das nossas relações com o mundo para saber qual dos dois irá se manifestar em nossa personalidade. É inegável a atualidade do célebre livro escrito há mais de 150 anos, os cenários e os costumes se modificaram ao longo do tempo, mas a essência da psique humana permanece a mesma. É por isso mesmo que a cena em que Hamil junta as páginas arrancadas do livro (depois que num ato impulsivo Momo  jogou  o volume no chão) colando-as uma a uma, reconstituindo o exemplar dilacerado pela fúria momentânea do jovem rebelde, assume a forma de uma poderosa metáfora criada por Edoardo Ponti para nos lembrar a importância da palavra em sua forma literária, e da arte como um todo, como bens universais que devem ser preservados, restaurados e difundidos para uma melhor compreensão da vida e de nós mesmos.

Rosa e Momo está disponível em streaming na Netflix, o filme é um dos cinco indicados ao prêmio Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro na cerimônia do próximo dia 28 deste mês.

Confiram.

4 comentários

  1. O filme que fica surgindo no meu catálogo e estava deixando para depois... Agora estou ansiosa para assistir. rsrsrs Obrigada!

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  2. Adorei seu comentário sobre Rosa e Momo. Está perfeito.
    É um filme para assistir, ler e reler.

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  3. Excelente análise crítica! Belo filme, pra dizer o mínimo! Sublinho a intercultaralidade que ele promove de forma tão sensível, capaz de alterar o corpo falante. Sim, as lágrimas! Estas de destravar a fala, livrando-a de todos os binarismos, de lavar o olhar, de destampar os ouvidos e de amalgamar o singular “Malandro” ao Universal da literatura e do cinema. Sublime e poética a metáfora (re) construída na análise crítica da restauração da palavra através da imagem poética do livro de Victor Hugo. Fita de Möbius, beleza pura! Um soco nas politicas das diversidades, essas em que cada um se identifica com seu próprio discurso e que fazem desaparecer as questões da vida política dos seres humanos. “Malandro / Ando querendo/ Falar com você/ Você tá sabendo/ Que o Zeca morreu...”. Obrigada, Prof. Romero!

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