Novo livro de Marcelo Ikeda revela 50 filmes do cinema independente brasileiro contemporâneo

fevereiro 17, 2021

Capa e contracapa do livro

O livro “O cinema independente brasileiro contemporâneo em 50 filmes” foi lançado em novembro de 2020 pela Editora Sulina (www.editorasulina.com.br) e já está disponível para venda.

É um trabalho completo sobre essa importante produção que abarca um extenso período que vai de 2000 a 2019 e se realizou em vários estados do país. O cineasta, curador, escritor e professor do curso de graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará (UFC), Marcelo Ikeda viu os filmes, conversou com os cineastas e traduz tudo isso em análises apuradas que desvelam esse universo oculto do cinema brasileiro contemporâneo. 

Nos anos 1970, o professor, crítico e ensaísta Paulo Emilio Salles Gomes disse que o pior filme brasileiro diz mais sobre nós mesmos que o melhor filme estrangeiro, era uma senha que ele lançava em sua incansável jornada pela visibilidade do cinema nacional. Ele disse também a título de provocação para o debate, que o brasileiro não “via” filmes, apenas “lia”, se referindo aos filmes estrangeiros legendados predominantes nos cinemas. Passados 50 anos continuamos “lendo” filmes, só que dessa vez filmes brasileiros que nos chegam através desse oportuno livro de Marcelo Ikeda.

A capa do livro, um trabalho de Letícia Lampert sobre stills de dois filmes da lista dos 50, é emblemática: uma espectadora solitária, sentada em sua cadeira, contempla a imagem em sua frente, mas antes tem um portão fechado que impede uma aproximação maior da espectadora (nós) dessa imagem. A imagem bateu em mim como uma síntese do conteúdo do livro que revela para o leitor, em palavras, as imagens ocultas desse cinema sem tela que circula timidamente em mostras e festivais restritos a poucos que têm a possibilidade de se fazer presentes nesses eventos sazonais. 

Dos 50 títulos elencados por Marcelo eu só tinha informações de 4, e não vi até hoje nenhum deles. (cheguei inclusive a destacar a estreia de “A Noite Amarela” em Campina Grande neste blog em 2019, quando pude ir ver já não estava mais em cartaz. No ano anterior participamos da sessão única, sim única, de “O Nó do Diabo” numa sala pública adaptada para cinema).

Esse impasse filme nacional X público é antigo, e nunca foi resolvido. Quanto mais janelas se abrem para o audiovisual, mais portões se fecham para o filme brasileiro. Ao longo da história foram vários os embates dos cineastas e produtores para garantir a presença do cinema brasileiro em seu próprio mercado, um mercado ocupado há mais de um século pelo filme estrangeiro, notadamente o produzido em Hollywood (e Marcelo é bem consciente disso). Hoje, ao que parece, os cineastas e produtores não estão muito empenhados em dar continuidade a essa luta para ocupar nossas telas e demais janelas. A impressão que se tem é que todo esforço é concentrado apenas na produção do audiovisual, a apatia no momento da distribuição e exibição é quase regra. ( a segunda capa do livro, com o personagem deitado em berço esplêndido, embora talvez não tenha sido essa a intenção da autora, estaria a denotar essa postura?). Não custa lembrar que essa questão é mais política que simplesmente mercadológica, parafraseando Fuller o cinema é um campo de batalha.

Arrisco dizer que somos os maiores produtores do mundo de filmes que não chegam até o público, os poucos que chegam são em sessões com horários inconvenientes, pouquíssimos dias em exibição e repercussão quase zero na chamada mídia (mainstream à parte). Lembro a justa decepção do cineasta Edgar Navarro com o minguado público nos cinemas do seu “Abaixo a Gravidade”, filme que vimos numa exibição online e esperamos a oportunidade de rever.

O grande mérito do livro, além das preciosas, detalhadas e inéditas análises, é rasgar o véu que encobre esse cinema que se supõe pelo escrito ser um cinema composto por filmes vibrantes, corajosos, inovadores, provocadores. Um cinema que, lástima, ainda tem esse portão trancado na frente impedindo o acesso do público a ele, e nada mais solitário que um filme não exibido.

A escassa bibliografia sobre o cinema brasileiro (a frase pode até ser um clichê, mas é verdadeira) ganha agora um expressivo volume que nos chega como uma bússola apontando os novos caminhos e direções do cinema nacional, seus realizadores, atores e atrizes e os múltiplos cenários geográficos e locações em que foram produzidos, entretanto sem se pretender a ser um cânone, como diz textualmente Ikeda: “não pretendemos formar um “cânone” dos principais filmes brasileiros dos últimos anos, mas, ao contrário, utilizando códigos similares à composição do cânone (a apresentação de uma lista de filmes), buscamos justamente problematizar sua formação, alargando o campo de atenção para o cinema produzido no país nas últimas duas décadas. A ironia da metodologia adotada está na utilização de um método canônico para poder desorganizá-lo por dentro.”

É um livro plural, diverso, que li com atenção e alegria (sim, concordo com o que disse Paulo Emílio) e recomendo a todos que se interessam por história, análise crítica, contemporaneidade e, claro, cinema brasileiro.

Confiram.

5 comentários

  1. A eterna luta de entender o nosso próprio cinema!

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  2. O brasileiro não “via” filmes, apenas “lia”...
    Remete ao velho ditado: santo de casa não faz milagres.

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