No tempo das Forças Amadas...

julho 24, 2020

As Forças Armadas brasileiras já protagonizaram filmes de grande sucesso de público

O exército e a marinha do Brasil já foram cenário, tema e personagem do cinema brasileiro em filmes de grande empatia popular.

Logo depois da heroica jornada na Segunda Guerra Mundial, onde o Brasil participou com um contingente de 25.324 soldados e oficiais, as forças armadas brasileiras gozavam de um prestigio irrestrito junto ao povo, o brasileiro amava as suas Forças Armadas.

Prova disso foi o exército brasileiro sendo refletido no grande espelho de um povo que é o cinema. O ambiente da caserna foi o cenário do filme “Os 3 Recrutas”, dirigido por Eurides Ramos em 1953. É uma comédia popular que conta as aventuras e trapalhadas de recrutas num quartel e que acabam sendo condecorados por impedir o roubo de armas da corporação por um grupo de bandidos. Ankito, um “superstar” na época, Colé Santana, José Lewgoy e o galã Adriano Reys encabeçam o elenco. O filme estreou simultaneamente em 14 salas em São Paulo e arrebatou o público durante as semanas em que ficou em cartaz.

No ano seguinte, mais um filme ambientado nas Forças Armadas, é “Marujo por Acaso”, Ankito interpreta um marinheiro aprendiz nos navios-escola “Guanabara” e “Almirante Saldanha” no Rio de Janeiro. Roteiro de Victor Lima e direção de Eurides Ramos, uma comédia produzida pela Cinelândia Filmes.

Em 1956, um dos comediantes de maior sucesso naquele momento, Mazzaropi, interpretou um papel duplo no cinema: um sapateiro (José Ambrósio) que para agradar o pai militar da namorada entra para o corpo de fuzileiros navais; e um sargento da corporação (Sargento Ambrósio José). O filme era “Fuzileiro do Amor” e foi um dos campeões de audiência no tempo em que marinha, exército e aeronáutica mantinham uma relação fraterna e eram muito queridos pela população civil.

Neste mesmo ano de 1956, a dupla de palhaços Carequinha e Fred e o comediante Costinha viviam mil trapalhadas na Brigada de Infantaria Paraquedista do Exército e faziam de tudo para escapar dos rigores do sargento interpretado por Renato Restier, o filme produzido por Herbert Richers e dirigido por J.B. Tanko era “Sai de Baixo” e contou inclusive com a colaboração direta do Capitão João Medeiros e da Banda de Música da Escola de Aeronáutica na trilha sonora, além de oficiais do Corpo de Paraquedistas do Exército no elenco. Esse também foi outro grande sucesso de público nos cinemas em todo o Brasil.

No ano seguinte, 1957, os produtores Herbert Richers e Osvaldo Massaini lançam um novo filme no rentável filão da “comédia militar”, dirigido novamente por J.B.Tanko, um especialista do gênero, “Com Jeito Vai”, também conhecido como “Soldados do Fogo”, reunia outra vez a dupla Carequinha e Fred agora como recrutas do Corpo de Bombeiros Militar (força auxiliar e reserva do exército).

Fred, Carequinha e Grande Otelo no filme "Com Jeito Vai"

A sinopse do filme, extraída do banco de dados da Cinemateca Brasileira, diz: “Em uma divisão do Corpo de Bombeiros, vários acontecimentos se entrecruzam: as confusões de dois recrutas novos; a competição das equipes lideradas por dois sargentos em rivalidade pessoal; o início da carreira artística da filha do capitão; o desejo de um servente do quartel em participar da corporação; e o trabalho heroico do combate aos incêndios e dos treinamentos cotidianos. ”

Renato Restier é o sargento Paulo e o seu rival é o sargento Braza, vivido pelo ator Roberto Duval; Grande Otelo (Feijão) e Costinha (cabo Tripa) completam o elenco principal, nos números musicais Emilinha Borba, Cauby Peixoto e Ivon Curi. “Com Jeito Vai” foi outro sucesso de público.

Três anos depois, em 1960, o filme “Sai dessa recruta”, com Ankito, contava as peripécias do soldado Aparício tendo de abrigar clandestinamente a mulher Emengarda, recém-chegada da Paraíba, e o sobrinho Chiquinho num depósito nos fundos do quartel do 2o. Regimento de Infantaria, no Rio de Janeiro. O ator Mario Tupinambá (que bem mais tarde faria o personagem Bertoldo Brecha na Escolinha do Professor Raimundo na TV) interpreta o soldado Acarajé, um baiano, melhor amigo de Aparício. Renato Restier (sempre ele) é o sargento Leão que não dá moleza para os recrutas.

Na abertura do filme, apresentação dos créditos, pode-se ler: “Vários militares do Exército colaboraram de perto na realização do filme, como o comandante do 2.o RI, coronel Walter Menezes Paes, o capitão Ivan Ribeiro Barbosa, o tenente Gilson e Meira Guimarães.”

Como se viu, as Forças Armadas não só abriam as suas instalações para o cinema, mas, também, participavam ativamente das gravações.

Observem que o gênero desses filmes era a comédia mas em nada diminuíam a imagem dos militares, muito pelo contrário, a empatia provocada por eles aproximava o povo das Forças Armadas e vice-versa.

De lá para cá não se fizeram mais filmes tendo como ambiente as forças armadas aquarteladas em território brasileiro, o que é uma pena (o drama de guerra “A Estrada 47” de 2014, narra um episódio da FEB vivido fora do Brasil, na Itália).

Um exército que atue fazendo valer na prática o seu tradicional lema “Braço forte, mão amiga”, cooperando com a sociedade civil, não a intimidando como infelizmente vemos hoje em declarações e atitudes de alguns oficiais da ativa e da reserva, é um exército querido pela maioria da população que são os civis. O amor que muitos desses militares dizem que tem pela instituição não pode nem deve ser maior que o amor pela Pátria.

Aprendi com meu pai, ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira (FEB), um militar que adestrou-se no oficio na dura prática do campo de batalha , atuando na linha de frente do Teatro da Segunda Guerra Mundial, no sopé do Monte Castelo, em Castelnuovo e Montese na Itália, sob pressão da artilharia e infantaria nazifascista, ele me ensinou que as Forças Armadas são o conjunto de brasileiros de várias regiões e vários extratos sociais, fardados e armados para defesa do Brasil, sob a égide da Constituição, como o próprio epônimo explicita. As Forças Armadas não servem a partidos políticos, governos transitórios, famílias, não importa o sobrenome ou facções sejam elas quais forem, as Forças Armadas servem ao Brasil, ponto.

Se depois da genuína missão nos campos da Europa, respaldada pela Constituição, os militares que conduziam nosso exército no pretérito se deixaram levar pelo discurso verossímil, mas não verdadeiro, do “combate ao comunismo” e profanaram a ordem constitucional na base do tanque e do fuzil, inclusive com interferência norte-americana (leiam os documentos oficiais da Casa Branca, já liberados para consulta pública, que registram essa intromissão), mergulhando o Brasil em 21 anos de arbítrio, um desastre não só político mas sobretudo econômico que levou a uma hiperinflação e explosão da dívida externa gerando a “década perdida” dos anos 1980,  e depois levando 30 anos para reconstruir a imagem mais que arranhada pelo estrago causado pela ditadura civil-militar; hoje a realidade é outra e nem sequer verossimilhança existe na histeria ilegal de alguns subversivos que pedem a destruição do Estado Democrático de Direito na base da barbárie, da violência, a pretexto do surrado e mentiroso “combate ao comunismo” (onde está a real ameaça comunista fora da cabeça dos  discípulos fanáticos dos subversivos interessados em tomar de assalto o poder e se perpetuar nele, trazendo a reboque as Forças Armadas para lhes servirem de milícia privada?).

O resultado desses episódios distantes foi que o antigo amor dos anos 40 e 50 se transformou numa fria indiferença, o respeito em temor, e os filmes ambientados na caserna sumiram das telas dos cinemas.

A boa relação entre as Forças Armadas e a maioria da população, os civis, precisa ser restaurada. Os extremistas de todos os matizes, os astutos que gostam de se aproveitar do fato de um dia terem vestido uma farda, agora ocupando cargo temporário de natureza civil, para passar a falsa impressão que comandam tropas e que podem dispor delas para a realização de seus desejos sombrios e inconfessos, têm de respeitar a história, a tradição, o profissionalismo e a sagrada imparcialidade das forças armadas, honrem a farda que um dia vestiram. Elas, as FA, servem ao Estado Brasileiro, não ao governo do Brasil. As FA permanecem, enquanto todos estes que agora querem se servir delas vão passar, como muitos já passaram. Basta de ameaças, de intimidações e desse permanente flerte com a ilegalidade que alguns insistem em manter, a sociedade está saturada dessas bravatas que só têm produzido instabilidade, gerando essa absurda antinomia do tipo “nós” e “eles”.

A propósito, não é demais lembrar o gesto republicano e democrático do general Mark Milley, chefe do Estado Maior das Forças Armadas americanas, leia-se a maior máquina militar do planeta, que pediu desculpas publicamente no último dia 11 de junho por ter caminhado ao lado do presidente Donald Trump por ruas de Washington durante um protesto contra o próprio Trump, dando a falsa impressão que o exército americano estaria se metendo na política e apoiando o político que ocupa transitoriamente a presidência dos EUA. Conforme noticiado pela imprensa, disse ele: "Eu não deveria estar lá. Minha presença criou a impressão de que os militares estão envolvidos em política doméstica, precisamos honrar um princípio essencial da República: o de que as Forças Armadas não são políticas” e finalizou: “Errei e aprendi com o meu erro”. Essa atitude mais que louvável do general ratifica a própria realidade dos Estados Unidos que em 244 anos de história como país independente, nunca teve uma ditadura militar.

O general Ernesto Geisel costumava dizer “Deus nos livre de uma guerra” (ele conhecia muito bem o nosso poder de fogo), mas, se desgraçadamente cairmos num conflito bélico com qualquer outra nação (e aqui falo de defesa, jamais de atacar qualquer país), quem vai nos defender não é nenhum partido político, nenhuma milícia, nenhum banco, corretora ou empresa, quem vai estar na linha de frente segurando o tranco como já o fizeram com bravura na segunda das guerras mundiais são as nossas Forças Armadas, portanto não tem a mínima lógica que elas possam estar contra a população nem que a população possa estar contra elas.

Embora a triste tradição das Forças Armadas na América Latina seja a de dirigir suas armas contra seus conterrâneos, já passou da hora de demonstrar o contrário.

Aqui abro uns parênteses para lembrar um fato histórico acontecido bem perto de nós e dentro do tema: o exército argentino massacrou os civis desarmados durante uma ditadura sangrenta que se instalou lá em 1976 promovendo assassinatos em massa, estupros, torturas e até sequestro de crianças. Quando os militares, num gesto tresloucado, desafiaram a armada inglesa na invasão das ilhas Malvinas o que se viu foi um verdadeiro fiasco diante de um exército estrangeiro. Na guerra de verdade, os militares argentinos mostraram que não eram de nada, só eram valentões diante da indefesa população civil de seu próprio país.

Já para finalizar digo que os brasileiros civis estão cumprindo sua parte, enfrentando com resiliência estes duros tempos de inédita pandemia e incerteza econômica, resta aos brasileiros fardados e armados, da ativa e da reserva remunerada, não deixarem dúvidas de que são mesmo o braço forte e a mão amiga para o bem do Brasil e de todos os brasileiros.

Precisamos, mais que nunca, voltarmos ao tempo das Forças Amadas, e como sabemos amor não se impõe pela força, amor se conquista com amor.

4 comentários

  1. Em algum momento do texto, eu pensei que todos os filmes militares eram comédia, como uma forma de torná-las pejorativas. Mas o riso foi um dos motivos de conseguir aproximar o povo dos militares. Que bom que os "anticomunistas" não gostam de cinema!

    ResponderExcluir
  2. Parabéns pela sua colocação de um fato relevante em dizer que " as forças armadas tem que defender a nação brasileira e não a um partido político" as forças armadas do Brasil não é nenhuma milícia.

    ResponderExcluir
  3. Parabéns pelo texto!!! Lúcido, mais atual e necessário, impossível!

    ResponderExcluir
  4. Excelente essa forma de rememorar afetos (através do cinema) tomando distância da instabilidade das paixões. Lembrar a todos que originariamente as “Forças a(r)madas” são compostas por “ (...) brasileiros de várias regiões e vários extratos sociais, fardados e armados para defesa do Brasil, sob a égide da Constituição”, e não, caçadores de “chapeuzinhos vermelhos” é uma lembrança fundamental numa época em que os aprisionamentos subjetivos se intensificam e a bipolarização especular nos arrasta para a barbárie. É urgente e necessário recordar o que amamos. Parabéns!!!

    ResponderExcluir

Posts Relacionados