Como a música “Alô Campina Grande” foi parar na boca do povo tornando-se um hino popular da cidade

novembro 14, 2019



“Alô, alô minha Campina Grande/Quem te viu e quem te vê/Não te conhece mais...”, basta essa introdução para ativar a memória afetiva de toda uma cidade. Mas nem sempre foi assim, foi preciso a genial  intervenção de Biliu de Campina para essa música ir parar no coração e na boca do povo.

Se não bastasse o indiscutível talento musical, não só para o forró pois também canta samba de latada como poucos, Biliu é um pesquisador atento do vasto repertório da nossa música.

A maioria das pessoas não sabe que foi ele quem tirou da lata de lixo da música popular a hoje clássica “Alô Campina Grande”, espécie de hino informal da cidade, que Jackson gravou no LP “Jackson do Pandeiro – Um nordestino alegre”, lançado em 1977 pelo obscuro selo Alvorada da gravadora de segunda linha Chantecler. O disco não repercutiu.

Para completar o apagamento, nesse momento da história, segunda metade dos anos 1970, artistas como Jackson estavam alijados da programação das emissoras (inclusive as de Campina Grande) e não conseguiam divulgar seu trabalho. Na época a programação musical das rádios era majoritariamente dedicada a chamada “MPB” e ao “Pop-Rock” nacional e internacional.

Biliu já havia incluído essa composição no repertório dos shows que fazia, inclusive a cantou na antológica apresentação no Parque do Povo, tendo como parceiro Gilberto Gil, em outubro de 1989, comemorando os 70 anos do rei do ritmo.

Ao incluir nas faixas do LP “Forró Um Ano Inteiro”, gravado no mesmo ano de 1989 pelo selo Dacajó (com o disco de Jackson já fora de catálogo), Biliu ressuscitou a música para a mídia. Na época, o publicitário Lucas Salles era coordenador de turismo da prefeitura e colocou “Alô Campina Grande” em todos os eventos e inaugurações oficiais, a música pegou rápido e o mainstream local passou a utilizá-la em jingles e spots comerciais, vídeo clips, eventos esportivos, inaugurações de lojas e prédios, comemorações nas escolas, documentários, aniversários, batizados e casamentos, sem falar no “Maior São João do Mundo” que dava seus primeiros passos. Foi um sucesso total. Muita gente pensava que a música era de Biliu, mas na verdade foi composta pelo seridoense de Caicó Severino Ramos, o mesmo de “Aquilo Bom (Garotas do Leblon)” e “Ovo de Codorna”, sucessos na voz de Gonzagão.

 Biliu conta que ligou para Severino, que morava no Rio de Janeiro, pedindo autorização para gravar “Alô Campina Grande”, o compositor autorizou na hora, não cobrou direitos autorais e ainda permitiu que Biliu incluísse o Parque do Povo e o Maior São João do Mundo no refrão da música.

Tem uma particularidade que explica essa homenagem de Severino Ramos a cidade “cheia de cartaz”: embora nascido em terras potiguares, “foi registrado como filho de Campina Grande”, conforme atesta a pesquisadora musical Leide Câmara em seu livro “Luiz Gonzaga e a Música Potiguar” (Editora da Fundação José Augusto-Natal-2013). Severino e Jackson eram amigos desde os tempos do famoso pastoril de Zé Pinheiro que frequentavam juntos na década de 1930 do século 20, ele como espectador entusiasmado e Jackson como participante no palco da brincadeira (daí o verso “e se visita Zé Pinheiro/não sai mais de lá”, exaltando o bairro onde também moravam).

A pesquisadora de Patu-RN confirma essa amizade: “Severino era amigo de Jackson do Pandeiro, que foi padrinho do filho dele”.

 “Alô Campina Grande” estava condenada ao esquecimento e a regravação de Biliu, que em nada deve a gravação original, recuperou e colocou a música na boca do povo.  Com o seu ouvido arguto, o filho de “seu” Francisco  Xavier garimpou essa pérola que estava perdida nas profundezas da ignorância da indústria cultural  e a engastou no precioso colar dos clássicos da música popular nordestina/brasileira.

Hoje é difícil encontrar um morador da cidade que não saiba cantar pelo menos o refrão de “Alô Campina Grande”.

Valeu Biliu!

2 comentários

  1. Das crônicas campinograndeses que não podemos esquecer, e dar os devidos créditos aos filhos da terra! Obrigado pela crônica, professor!

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