Quatro Ases e um Coringa: As Caras, Gestos e Risadas de um Personagem

outubro 22, 2019


O primeiro deles foi o nova-iorquino de nome latino Cesar Romero que encarnou o Coringa na série televisiva Batman, que ficou no ar de 1966 a 1968, tendo inclusive ocupado a tela grande dos cinemas no filme “Batman, o homem morcego”, dirigido por Leslie H. Martinson em 1966. O Coringa de Romero é um Coringa psicodélico no figurino, irônico, caricatural, no espirito dos coloridos e lisérgicos anos 1960. O personagem em sua primeira aparição na tela (nos quadrinhos foi em 1940) é mais humorístico, engraçado, aplicando seus golpes sempre com um tom de galhofa, de brincadeira, como se fizesse parte de um filme dos Irmãos Marx.  Essa histrionice  bem pronunciada é  um reflexo da “leveza” dos anos 1960 embalados por slogans pacifistas tipo  “paz e amor”. A série na TV e o longa foram bem recebidos pelo público na época (aqui a série foi exibida em sua versão preto-e-branco na TV Borborema o que fez com que se perdesse uma das atrações dos episódios que era a cenografia e o figurino “pop”;  o filme passou (colorido) no Cine Babilônia, depois foi reprisado no Cine Avenida).

Na final dos anos 1980, o personagem ressurge no cinema depois de uma repaginada radical nos quadrinhos. O Batman de agora, dirigido por Tim Burton, é sombrio, “noir”, move-se pela penumbra de uma Gotham City escura, úmida, e começa a apresentar traços de seus problemas existenciais, sua fragilidade enquanto ser humano mortal. Nessa nova versão, o Coringa é encarnado por Jack Nicholson que rouba a cena e consegue ocultar o próprio Batman. O Coringa de Nicholson parece saído direto de um divã de psicanalista sem ter equilibrado a psique durante as sessões. Lembro que na época eu mantinha uma coluna semanal, aos domingos, sobre cinema, “Tela Aberta”, no Jornal da Paraíba, e intitulei a minha resenha sobre o filme exibido no Babilônia “Bat Nicholson”, dado o impacto que a atuação dele nos causou.

Quando se pensava que Jack Nicholson havia extraído tudo do Coringa e seria muito difícil um ator conseguir acrescentar algo ao personagem criado por Jerry Robinson, Bill Finger e Bob Kane, eis que surge em 2008 “Batman, O Cavaleiro das Trevas” de Christopher Nolan (um dos cinco melhores diretores de Hollywood hoje, na minha modesta opinião). O filme dá um salto além na composição dramática e cinematográfica da saga do Homem-Morcego e traz um Coringa que parece saído de um filme de James Whale tal a sua inquietante e aterrorizante presença em cena, ao mesmo tempo deixando entrever uma fragilidade que beira o lirismo, num contraponto paradoxalmente desconcertante.  Heath Ledger  foi fundo nas entranhas da arte da representação e compôs um personagem que, como fez Nicholson há mais de 30 anos, transformou um coadjuvante em ator principal e ofuscou completamente a presença do herói Batman na tela. Infelizmente esse extraordinário ator morreu, com apenas 28 anos de idade, no mesmo ano do lançamento do filme.

Onze anos depois, nesse contemporâneo 2019, o Coringa está de volta, agora num filme todo seu. Quem dá vida ao personagem nesse instigante drama dirigido por Todd Phillips é o extraordinário Joaquin Phoenix.  O “plus” que Ledger imprimiu sobre a atuação de Nicholson, Phoenix imprime sobre a atuação dele. Não é uma questão de “mais” ou “menos”, é simplesmente algo distinto, inovador, diferente do visto até agora. É o Coringa mais humanizado, no sentido das limitações humanas, feito até agora. As cenas que mostram Phoenix nu da cintura para cima exibem um corpo nada atlético, onde os ossos se projetam sobre a musculatura, revelando na compleição física do ator as marcas deixadas pela vida cheia de obstáculos do personagem (consta que Phoenix emagreceu 24 quilos para compor este Coringa)

O único problema da estupenda atuação desse ator de 45 anos, nascido em San Jose de Porto Rico (e que vem a ser irmão de River Phoenix,  jovem e talentoso ator que morreu prematuramente), é que em alguns momentos sua personalidade se sobrepõe a do personagem, eclipsando-o até (também se observa  não raros momentos de puro overacting). Mas isso não diminui o seu trabalho, muito pelo contrário é um ponto a mais nesse desempenho digno de premiação (ele inclusive ganhou a Palma de Ouro de melhor ator no Festival de Cannes com o filme “Você Nunca Esteve Realmente Aqui” (2017). O filme “Coringa” arrebatou o Leão de Ouro no renomado Festival de Cinema de Veneza (2019).

P.S. Sabemos que o Coringa foi interpretado por mais de 20 atores diferentes em dezenas de filmes produzidos mundo a fora (teve até um Batman/Coringa filipino em 1973), mas optamos por nos deter nos 4 mais significativos segundo nossa avaliação.

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