Napoleão de Ridley Scott, com Joaquin Phoenix, Já Está Em Cartaz Nos Cinemas
novembro 24, 2023Depois de Jesus, o Cristo, Napoleão é a figura histórica com mais livros sobre sua vida, são mais de mil. Filmes, documentários e séries também têm várias versões, cada uma abordando ao seu modo aspectos, sempre incompletos, da vida do lendário estrategista político-militar corso.
A mais recente produção que está em cartaz nos cinemas (foi lançada no último dia 23 de novembro) é Napoleão, dirigida por Ridley Scott com roteiro de David Scarpa.
A apresentação da imperatriz Josefina como o grande amor de Napoleão é uma opção do roteirista que não condiz com a realidade, quem conhece um mínimo da história de Bonaparte sabe que a grande paixão dele, o amor tipo alma gêmea, foi a condessa polonesa Marie Walewska, que inclusive lhe deu um filho e teve uma morte no mínimo inusitada: seu coração explodiu, literalmente, de amor por Napoleão.
Sobre esse ardente relacionamento foi feito em 1937, sob a direção de Clarence Brown, o filme Madame Walewska aka O Romance de Madame Walewska, com Greta Garbo no papel-título e Charles Boyer como um bem convincente Napoleão.
Walewska também aparece no filme Napoleão, épico com 3h02 de duração dirigido por Sacha Guitry em 1955.
O romance Madame Walewska, O Grande Amor de Napoleão de Octave Cauby (Casa Editora Vecchi, Rio de Janeiro,1955) detalha bem essa relação.
Mas como já disse, cada roteiro tem sua opção, em 1954 Henry Coster dirigiu Désirée, o Amor de Napoleão, filme sobre Désirée Clary, uma mulher francesa comum que foi noiva de Napoleão e que mais tarde se tornou rainha da Noruega e da Suécia. No elenco desse filme Marlon Brando como Napoleão e Jean Simmons como o seu “grande amor”.
Désirée (Annabela) também aparece no clássico Napoleão, uma ousada versão da vida do estrategista corso-francês com 5h30 de duração feita por Abel Gance em 1927 (Gance lançaria em 1935 e 1971 novas versões deste material acrescentadas de som e novas gravações, ambas com tempo reduzido para 2h20 e 4h35 respectivamente)
Abel Gance voltaria ao tema em Austerlitz (no Brasil teve dois títulos: Com Sangue Se Escreve A História e A Batalha de Austerlitz), produção de 1960, em cores, épica e bem cuidada reconstrução da batalha de Austerlitz onde Napoleão enfrentou os russos e teve a maior vitória de sua carreira.
Napoleão apreciava o gênero feminino e sempre que podia estava namorando, o problema (se é que isso é um problema) é que ele sempre podia.
Depois de se separar oficialmente da esposa Josefina, alegando a incapacidade dela de gerar um herdeiro para o trono, Napoleão casou com a jovem duquesa austríaca, Maria Luísa, que era a irmã mais velha da nossa imperatriz Leopoldina, foi sua segunda e última esposa.
Napoleão de Ridley Scott tem uma edição a quatro mãos (Sam Restivo e Claire Simpson) cujo esforço para encaixar o tempo físico do filme nas exigências dos distribuidores e exibidores está na cara. Uma regra do mercado cinematográfico (sim, é um mercado também) diz que quanto mais sessões forem oferecidas por sala, maior a rentabilidade do filme. Um filme com mais de 150 minutos, caso de Napoleão, só permite 3 sessões diárias o que reduz drasticamente o lucro dos produtores, daí os cortes abruptos que mesmo disfarçados não conseguem ocultar as pontas soltas da narrativa.
Alguns personagens importantes desaparecem sem explicação, como por exemplo o filho de Josefina, Eugenio (Benjamin Chivers), personagem que introduz a mãe na vida do general, foi deletado na sequência da narrativa sem sabermos por quê. Outro momento prejudicado pela edição picotada é a campanha no Egito, rápida e fugaz, tempo que não corresponde à importância da epopeia. A fuga dele do primeiro exílio na ilha de Elba é outra situação mal costurada.
Tentando contornar o estrago dos cortes obrigatórios os editores colocaram tarjas com o nome e a data dos acontecimentos tidos como mais importantes na história do general-imperador, o efeito é desastroso. Dá a impressão que estamos vendo um daqueles documentários didáticos que sintetizam ao máximo os conteúdos para os candidatos ao Enem.
Não por acaso o diretor Ridley Scott anunciou antes da estreia nos cinemas que haverá um corte feito por ele com 4h00 horas de duração exclusivo para streaming (ainda sem data de lançamento). A edição da versão que está nos cinemas, como já vimos, é muito desequilibrada, confusa para quem não conhece um mínimo da história do imperador. A primeira hora e meia parece que tem o dobro de duração pela lentidão da narrativa, situações e diálogos que não querem dizer nada, em vários momentos consultei o decorrer do tempo no meu celular, coisa que muito raramente faço, tal o desconforto que me acometia como espectador. Em contraste, um ponto alto que se destaca no meio desse desequilíbrio é o realismo das cenas de batalha, realmente impactante.
Do ponto de vista da reconstituição histórica, Ridley Scott, em algumas cenas, procura um mimetismo com o repertório de imagens clássicas pré-existentes (um recurso bem comum nesse tipo de filme, Polanski fez o mesmo em O Oficial e o Espião (2019), e Carlos Coimbra copiou o quadro de Pedro Américo na cena do grito do Ypiranga em Independência ou Morte em 1972), a cena da coroação dupla de Napoleão e Josefina reproduz fielmente o quadro A Coroação de Napoleão, obra de dimensões gigantescas (621 x 979) encomendada pelo próprio Napoleão e feita pelo pintor francês Jacques-Louis David em 1807. A tela se encontra hoje no acervo do museu do Louvre.
O irrepreensível Joaquin Phoenix, embora esforçado como sempre, compõe um Napoleão bastante desigual, num momento é o próprio general em carne e osso, noutro é o Coringa, e noutro é ele mesmo. Vanessa Kirby faz um Josefina com um figurino e make up contemporâneos que pode até agradar a parte das plateias de hoje mas destoa do contexto histórico. Em contraponto temos Rupert Everett, como o Duque de Wellington, muito bem centrado no personagem.
A superprodução orçada em 200 milhões de dólares tem figurinos (David Crossman e Janty Yates), direção de arte (equipe com 13 profissionais e dezenas de assistentes) e efeitos especiais (mais de uma centena de técnicos) de encher a vista do espectador, para cobrir este investimento o filme precisa arrecadar, no mínimo, 400 milhões de dólares na bilheteria.
O final mostrando um Napoleão derrotado depois da malograda batalha de Waterloo, recebendo as humilhantes condições de exilio do vitorioso duque de Wellington (não é spoiler, isso está nos livros de história há mais de 200 anos) é um desfecho desproporcional, para não dizer mesquinho, comparado a extraordinária carreira daquele que ainda hoje é tido como um inigualável estrategista político-militar, também é de se notar no filme a total ausência de uma referência à morte de Napoleão por envenenamento lento e gradual (poções calculadas de arsênico na comida e bebida servidas diariamente pelos carcereiros ingleses na ilha-prisão de Santa Helena), mas isto é querer demais de uma produção britânica.
Confiram.
2 comentários
Desde que saíram as primeiras matérias sobre essa versão de Napoleão, fiquei pensando sobre a necessidade de se representar novamente essa figura histórica - porém é necessário se fazer presente, nessa época de consumos rápidos e fugazes - e num momento de muitas exigências das majors, principalmente com a metragem! será que a versão de 240min do streaming vai fazer com que a versão do cinema tenha sido um tipo de "evento teste"? De toda forma, a curiosidade se mantém!
ResponderExcluirCrítica decente e culturalista, como sempre, caro Romero. Ainda não vi. Gostei da sua observação de Joaquin Phoenix na condição de triplo personagem. Kkkk
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