Indiana Jones se Despede das Telas com uma Ode Ao Conhecimento; As Cenas de Ação são uma Injeção de Adrenalina na Veia

julho 16, 2023

O último filme da saga protagonizada pelo arqueólogo aventureiro criado por George Lucas e Philip Kaufman, Indiana Jones e a Relíquia do Destino (dirigido por James Mangold, 2023), estreou nos cinemas no último 3 de julho. A quinta aparição do professor Jones num filme pode até não agradar aos fãs de carteirinha do personagem (tem até alguns que acreditam que ele existe mesmo, em carne e osso), mas o que vi na tela foi um dos melhores, se não o melhor, capitulo dessa série iniciada em 1981 e que agora se despede.

A figura de Arquimedes (Nasser Memarzia) e o seu mais notável invento, o Mecanismo de Antikythera (em síntese um “computador analógico” feito há mais de 2 mil anos) são o ponto central dessa bela reflexão, em forma de entretenimento, sobre o poder e a prática do Conhecimento (e suas ramificações a ciência, a arte e a cultura), no destino da humanidade. Não basta ter o Conhecimento, é preciso ter Consciência para usá-lo. Por casualidade - ou seria causalidade? - na sessão em que vi o filme foi exibido o trailer de Oppenheimer, cinebiografia do cientista J. Robert Oppenheimer considerado como o pai da bomba atômica, um exemplo cristalino do uso do Conhecimento sem um pingo de Consciência.

Indiana Jones e a Relíquia do Destino começa de forma irônica, porém realista, mostrando um entusiasmado professor veterano de arqueologia, o próprio Indiana Jones, tentando em vão cativar a atenção dos jovens alunos da universidade. Nem o alerta lembrando que aquele tema será objeto da prova tira os estudantes do seu letargo, eles bocejam, fazem bolas de chiclete, miram as paredes como zumbis sonâmbulos. Apenas uma estudante, Helena (Phoebe Waller-Bridge), interage com o velho mestre prestes a se aposentar. A sequência é didática e nos mostra indiretamente como o desinteresse pelo conhecimento nos torna presas fáceis das tecnologias alienantes e seus aplicativos feitos para distrair, hipnotizar e robotizar seus usuários (na dúvida sobre essa afirmativa é só dar uma olhada ao redor).

O Conhecimento em sua forma mais sutil, a arte, e em sua forma mais diáfana, a música, e no caso a música universal dos Beatles, nos convida logo no início para a mágica e misteriosa viagem que vamos fazer de carona com os personagens nos próximos 154 minutos do filme (isso em termos físicos do tempo, porque no tempo diegético vamos até 1939, início da ascensão nazista com a deflagração da segunda guerra mundial, passamos pela recepção festiva aos astronautas Aldrin, Armstrong e Collins em 1969, até o Cerco de Siracusa que aconteceu entre 214 a 212 A.C.). A Bossa Nova, movimento musical que ganhou o mundo, fruto do conhecimento e criatividade do artista brasileiro, marca presença na trilha sonora com a internacional Garota de Ipanema em sua versão em inglês. O Conhecimento, em todas as suas facetas não tem pátria, é uma dádiva da deusa Ateneia-Minerva para a humanidade, como nos ensina a sabedoria que não está nos livros da história oficial.

Mas voltemos a Helena, a única estudante a interagir com o professor Jones na sala de aula como vimos antes. O nome da personagem não foi escolhido por acaso, como não lembrar de Helena de Troia, a mulher mais bela do mundo? Esposa do espartano Menelau que foi raptada pelo troiano Paris dando início à lendária Guerra de Troia? Tudo isso registrado pela pena de Homero na Ilíada e Odisseia, poemas épicos que narram episódios de lutas sangrentas e deslocamentos de personagens por cenários históricos, tal e qual (guardadas as devidas proporções), Indiana Jones e seus parceiros.

Helena é afilhada de Indiana Jones e herdou do pai (Tob Jones) o amor pelo Conhecimento (nessa hora fiquei imaginando ela parafraseando o grande Lupicínio Rodrigues, cantarolando: “o Conhecimento é a herança maior que meu pai me deixou”; permitam-me essa digressão... rsrsrsrs). 

Essa personagem feminina é um dos trunfos do filme, Helena é dessas raras pessoas que não só sonham, mas lutam (no sentido lato do termo) para concretizar seu sonho com engenho e arte (“a arte é mulher”, proclama Numa Ciro). Helena me lembrou as heroínas do novo cinema indiano e aquela frase atribuída a Guevara: Hay que ser duro, pero sin perder la ternura jamás.

O filme é como um grande enigma audiovisual, cheio de pistas na imagem, nos diálogos, nas personagens e nas situações propriamente ditas. Um espectador com um mínimo de atenção dirigida, sem se entreter demais com as cenas de ação, vai se deliciar e aproveitar melhor o valor pago pelo ingresso.

O emblemático número 12 estampado na camisa de Teddy (Ethan Isidore) é outra referência implícita ao Conhecimento: nos remete aos doze trabalhos de Hércules da mitologia grega, as doze tribos de Israel, aos dozes signos da astrologia (falo da ciência que era estudada nas primeiras universidades criadas na Europa, não de horoscopia), aos doze meses do ano e aos 12 apóstolos do Cristo Jesus (a lança de Longinus, soldado romano que feriu o costado do Mestre na cruz, uma das relíquias cristãs mais procuradas até hoje , também é referenciada no filme), lembro ainda que um dia se divide em duas partes iguais de 12 horas cada uma. Alguém aí pode contrapor dizendo que essa não era a intenção dos roteiristas e diretor do filme, não importa. Leio e Interpreto os signos que vi inseridos na imagem e o seu contexto na narrativa fílmica. Mesmo involuntariamente (que acredito não seja o caso) Indiana Jones e a Relíquia do Destino (atentem para o título também) é um contrabando de Conhecimento, no melhor sentido, num filme não só de aventuras. O avião dos nazistas, repleto de riquezas históricas surrupiadas de seus locais de origem, inclusive peças pertencentes ao faraó Ramsés II, um dos mais sábios do antigo Egito, denota a importância do Conhecimento e da Cultura para quem os detém. Saber é poder.

Uma simples lição de natação, “busca e puxa”, dada pelo marinheiro Renaldo (Antonio Banderas) ao adolescente Teddy, e que mais tarde vai lhe salvar a vida, reforça o valor do Conhecimento, vital para a sobrevivência humana.

A colocação dos nazistas como vilões é sempre oportuna, não quer dizer que os governantes americanos sejam um exemplo de respeito à livre determinação dos povos. Mas, 78 anos depois do fim da segunda guerra mundial nunca é demais lembrar o horror e as bestialidades cometidas pelos nazifascistas naquele período recente da história. Embora a cruz suástica, por exemplo, não seja uma invenção de Hitler e seus fanáticos adoradores (existe há mais de sete mil anos), infelizmente esse símbolo sagrado para o hinduísmo, o budismo e o jainismo acabou se tornando um emblema do mal em sua expressão mais abjeta (mais um caso de uso do Conhecimento sem nenhuma Consciência). O nazismo e seus abomináveis personagens, entre eles o satânico médico Josef Mengele que montou uma sucursal do inferno no campo de Auschwitz para seviciar, torturar crianças com experimentos cruéis feitos sem anestesia ou qualquer outro lenitivo para mitigar a dor lancinante, os gritos aterrorizados e os gemidos daqueles pequenos corpos dilacerados em carne viva não podem nem devem ser esquecidos jamais! Precisam ser lembrados eternamente para nunca mais acontecer de novo, nunca é demais lembrar que o nazismo, uma ideologia de extrema direita, não foi sepultado junto com os seus personagens do passado, permanece vivo em milhares de mentes e corações apodrecidos pelo ódio só esperando uma oportunidade para tomar o poder e instalar outra vez seu reinado de horror (aqui no Brasil, a propósito, dados divulgados pela antropóloga Adriana Dias em janeiro de 2022 no programa Fantástico da Rede Globo, mostram que existem pelo menos 530 núcleos extremistas, um universo que pode chegar a 10 mil pessoas. Isso representa um crescimento de 270,6% de janeiro de 2019 a maio de 2021. Adriana se dedica a pesquisar o neonazismo no Brasil desde 2002).

Outro ponto que vale destacar no filme é o próprio Indiana Jones, idoso, com mais de 80 anos (idade do ator Harrison Ford) saindo de uma cômoda e rotineira aposentadoria para se meter numa aventura eletrizante ao lado da jovem estudante sua afilhada e do adolescente que os acompanha. Num mundo como o de hoje onde se ignora a juventude da alma para se deter apenas na juventude biológica do perecível e frágil corpo físico, não deixa de ser ousado e desafiante colocar em ação um “velho” totalmente fora dos padrões estéticos e mercadológicos para comandar como protagonista uma saga cheia de peripécias típicas da juventude. Uma lição de alteridade que aponta para uma valorização da humanidade enquanto humanidade, do reconhecimento do outro, não importando idade ou qualquer outra pré-condição para ser aceito e respeitado, uma ética superior que transcende o físico e se projeta na metafísica.

O último capítulo dessa saga moderna, contemporânea, nos deixa um ensinamento: perscrutar o passado é fundamental, os livros, filmes e documentos estão aí para nos auxiliar nessa tarefa, mas não devemos nos deter no passado. É preciso visita-lo, mas o retorno ao presente, ao aqui e agora, é essencial para que possamos compreender de onde viemos e, principalmente, para onde estamos indo. Este é o verdadeiro chamado do destino.

P.S. Quanto a adrenalina do título é algo indescritível por palavras, ela tem de ser vivenciada na própria pele, e para isso é preciso ver o filme.

Boa sessão.

2 comentários

  1. Eita, agora a curiosidade aumentou...

    ResponderExcluir
  2. Sai do cinema com uma absurda alegria infantil. Bom demais ver Indiana Jones na telona. Ampla liberdade do olhar e da imaginação, passada de amor por Arquimedes rsrsrs. A análise critica melhora o olhar. Obrigada, Romero.

    .

    ResponderExcluir

Posts Relacionados