Uma Batalha Após a Outra é (também) um Filme Após O Outro

outubro 03, 2025


Começo logo dizendo que isso não é bom nem ruim, é apenas uma constatação.

O novo filme de Paul Thomas Anderson, Uma Batalha Após A Outra, tem um elenco impecável, uma fotografia deslumbrante, realçada pela captura em VistaVision (pesquisem na rede), trilha sonora marcante (embora algumas músicas adicionais me distraíram na primeira parte ao ponto de esquecer as imagens e me concentrar só no som), montagem/edição caprichada, especialmente nas estonteantes cenas de ação. 

A trama tem um viés politizado e envolve migrantes aprisionados em campos de concentração modernos nos Estados Unidos (o que é uma realidade) e jovens revolucionários que lutam contra o sistema e agem com força total para libertar esses migrantes. A abjeta supremacia branca, suas convicções e sociedades secretas, é outro tema abordado pelo roteiro original escrito pelo próprio Paul Anderson e Thomas Pynchon.

É interessante notar como a revolução cubana, 66 anos depois, ainda é muito presente no imaginário dos americanos como um sinônimo de revolução, mesmo que a grande revolução histórica que dividiu o mundo entre capitalistas e comunistas tenha sido a revolução russa de 1917, a língua que identifica os revolucionários do filme é o espanhol, não o russo.

Como cinéfilo o que me chamou a atenção mesmo foi a grande colagem que Anderson (como todo cineasta, igualmente um cinéfilo) faz de uma série de filmes que vimos ao longo da vida, não é plágio, é o cinema, com seu imenso acervo de imagens e situações cênicas, ecoando no próprio cinema. Quem tiver um repertório de filmes na memória, como eu, vai perceber facilmente isso que estou dizendo.

Lá estão Bullit, Operação França, Blade Runner, Bacurau (sim, por que não?), Corra Lola, Corra, A Batalha de Argel (inclusive aparece um trecho numa das cenas), Corrida Contra o Destino (a primeira versão, de 1971), além de toda aquela atmosfera e piadas de alguns filmes de John Carpenter e Tarantino.

O filme me lembrou também um Super-8 dos anos 1970, Isso É Que É, de Amin Steple e Geneton Moraes Neto (1974), não estou dizendo que Paul Thomas Anderson viu esse filme (embora possa sim ter visto, está no Youtube, quer dizer está no mundo), me refiro a temática: a impotência dos jovens revolucionários diante da superestrutura opressora do establishment, no filme feito em Recife tem uma sequência irônica onde os jovens armados de baladeiras (estilingue) atacam os letreiros das multinacionais instaladas aqui, na trilha sonora ouvimos Caetano Veloso cantando Enquanto Seu Lobo Não Vem.

Em Uma Batalha Após A Outra, a ação pontual dos revolucionários, mesmo que com todo um arsenal bélico, uma parafernália de comunicação digital e expertise em combate, não consegue eliminar a estrutura que mantém a opressão. Uma ação revolucionária histórica que acabou de fato com um domínio repressor, a revolta dos argelinos contra o colonizador francês, é mostrada, mas não como uma ação real, apenas em sua versão cinematográfica. 

Para não dizer que não falei dos protagonistas, Leonardo Di Caprio repete em esforço físico e dramático sua performance em O Regresso (2015), Sean Penn, como o paranoico coronel Steven J. Lockjaw, mostra total domínio da arte da representação, todavia resvala aqui e ali no inconveniente overacting, recurso que elimina o personagem e destaca o ator (embora por isso mesmo possa levar o seu terceiro Oscar, afinal a academia adora esses exageros). Benicio Del Toro aparece pouco mas marca sua presença como Benicio Del Toro. O elenco feminino é de primeira, com destaque para Teyana Taylor como Perfídia e Regina Hall como Deandra. 

O filme tem 2h40 de duração, se você conseguir atravessar a primeira hora sem pegar no celular ou se levantar e ir embora, vai ser premiado com uma segunda parte vibrante e uma sequência final que paga o valor da entrada e cada minuto investido na fruição dessa tragicomédia.

Para finalizar, registro a boa surpresa que tive na Sala 2 do CineSercla no shopping: projeção de alta qualidade, exibindo com fidelidade as imagens em VistaVision, e som com reprodução 7.1, espero que essa renovação tenha chegado nas outras salas também.

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