Bambas Do Ritmo, Além Do Samba, Vida E Alegria Pulsando Na Avenida
fevereiro 24, 2025Neste domingo, 23 de fevereiro, dia de “carnaval” na cidade, fui com minha esposa, a jornalista Creusa Oliveira, acompanhar os preparativos finais e o desfile propriamente dito da tradicionalíssima escola de samba Bambas do Ritmo de Zé Pinheiro, o popular Zepa.
Nessa memorável noite,
já no local do desfile, lembrei de Paulinho da Viola quando traduziu em letra e
música a emoção que sentiu ao ver a escola do seu coração, Portela, desfilar num
domingo de carnaval no Rio: foi um rio
que passou em minha vida / e o meu coração se deixou levar, cantou comovido o
poeta. Uma emoção semelhante a essa eu senti na própria pele na avenida
Severino Cabral (gueto onde o exilado carnaval de Campina Grande foi segregado),
quando a Bambas do Ritmo, mostrando garra, fortaleza e paixão exibiu em exígua
passarela (não deve ter 300 metros, quando a escola engrena, a pista acaba,
impedindo a decolagem) o seu enredo, composto por Henrique do Vale (in memoriam), Ontem, hoje, sempre Zepa, homenageia o histórico bairro, que também
foi consagrado na música popular por Jackson do Pandeiro. Foi no Zepa onde a
escola surgiu e mantém sua sede.
O que mais me
impressionou nessa noite foi a determinação dos 180 componentes da escola, jovens,
idosos e crianças, cumprindo o seu papel com alegria, esperança e fé na vida,
independente das injustas limitações impostas pelo poder público a folia do
povo. Eles são os verdadeiros guerrilheiros
culturais, no sentido lato do termo, resistindo contra a opressão desses dias
mais cinzentos que azuis, e nessa batalha desigual eles levam apenas as armas
que aprenderam a manejar desde cedo: violões, cavaquinhos, tamborins, surdos,
taróis, reco-reco, pandeiros, bumbos, caixas, repique, agogô, cuíca, reco-reco
e muito samba no pé (nunca é demais lembrar o filosofo popular Dorival Caymmi
que já nos ensinou: quem não gosta de
samba / bom sujeito não é / é ruim da cabeça ou doente do pé).
A excelente bateria da
escola, sob a regência dos mestres Bila e Francisco, com seus ritmistas em afinada harmonia, sincronizados com a voz do puxador
do samba é um realce à parte, as alas das passistas, os destaques em carros
alegóricos onde a criatividade que transforma o simples em luxo salta aos
olhos, a ala das crianças que vão manter essa bela tradição viva no futuro, a
porta-bandeira, Rozy Sorriso e o mestre-sala Leandro Dias, honrando com passos
simétricos e genuína alegria a posição de destaque com que foram agraciados, a
ala das baianas mostrando sua herança e o seu valor, cultura ancestral na academia do samba.
Por isso essa força estranha no ar, canta outro poeta, Caetano, ao tentar definir
com palavras a transcendentalidade de momentos sublimes como esse desfile que
presenciei nesta noite do dia 23 com a alma encantada, plena de uma alegria
pura, deslumbrada com aquela riqueza imaterial que desfilava como um lindo
sonho mágico diante de nós.
Cronologicamente
falando o desfile durou pouco porque a escola foi acossada na pista curtíssima
como já falei antes, mas falando num sentido, vamos dizer assim, metafísico,
durou o tempo exato que teria de durar, nem muito, nem pouco, o suficiente para
deixar gravado em nossos corações e mentes aquele momento cheio de música, vibração,
uma diversidade igualitária que une com equilíbrio os diferentes, e muita,
muita emoção.
Parafraseando aquele
inesquecível frevo baiano digo que atrás da Bambas do Ritmo só não vai quem já
morreu. Nós, que estamos bem vivos, tivemos a sorte de estar lá, na hora certa
e no lugar nem tão certo assim, vimos com os próprios olhos e sobretudo
sentimos em nossos corações a máxima que Fernandinha Torres recentemente falou:
a vida presta.
Parabéns e muito obrigado
Bambas do Ritmo e todos os seus componentes pela lição de vida e poesia num
desfile impecável, não houve troféu físico na noite porque a outra escola que
iria disputar desistiu em cima da hora, mas não tenho dúvida alguma que vocês
foram os campeões, mesmo hors-concours,
campeões da felicidade que proporcionaram ao numeroso público presente,
seduzindo a todos com o seu esfuziante colorido, o feitiço de sua música
arrebatadora, o êxtase do seu bailado aglomerador.
12 comentários
O carnaval exilado é a definição exata do verdadeiro carnaval de Campina Grande, expõe uma concepção de cultura popular. Fora do calendário, do reinado de Momo, mas ele ainda está aqui, resiste. Muito bom saber.
ResponderExcluirObrigado pela atenção e reflexão
ExcluirA Alegria é o mais intenso dos Afectos, como diria Spinoza, porque até mais contagiante que a Felicidade (pois Alegria é Felicidade manifesta, deixa-se perceber -- enquanto a Felicidade apenas se vive intimamente). A Alegria é Força de um Povo. Quanto à Crônica -- ah, essa é Poesia contagiada de Alegria...! É lê-la e "vestir uma camisa amarela e sair por aí -- e em vez de tomar chá-com-torradas beber Paraty...!" (no sentido literal e figurado, Meu Amigo!). Parabéns! " E é... Nota... DEZ!
ResponderExcluirCaro Edmundo, que alegria tê-lo aqui conosco.
Excluir"No carnaval eu sempre saí sorrindo
ResponderExcluirMe divertindo só pra desabafar
Três dias pra sorrir e um ano pra chorar
Mas dessa vez a ilusão não vai me pegar"
Abraço fraterno, mestre!
Sandrinho amigo poeta. Abraço fraterno pra vc também.
ExcluirEu li ouvindo Milton Nascimento cantando “a história é um carro alegre/ Cheio de um povo contente” 🥳
ResponderExcluirTrilha sonora perfeita.
ExcluirNem eu que, infelizmente não presenciei a festa, senti, pelas bem colocadas e festivas palavras, a contagiante e colorida alegria ao ritmo da bateria espocando os ritmos e chamando à dança.
ResponderExcluirsempre um prazer ler suas crônicas, artigos e resenhas, mestre, Romero.
abraço fraterno.
Querido Alberto, você, como sempre, mais do que muito. Obrigado.
ExcluirTrata-se de uma bela crônica registrando o fato de que um certo tipo de carnaval popular, de gente, ainda existe e resiste em Campina Grande. Mas, o mais importante é que os Bambas do Ritmo e todos os seus componentes botaram o bloco na rua, foliões com alegria não fugiram da briga e, como diz a letra da canção: “Gingaram, para dar e vender.” Foi um feito real e não apenas uma concretização poética. Bravo, Romero e todos os participantes! Isto foi mais uma prova de que “a vida presta.”
ResponderExcluirVerdade Sinedei, e você lembrou outro grande guerrilheiro cultural, Sergio Sampaio, que infelizmente já nos deixou mas o seu legado e as suas lições("eu quero é botar meu bloco na rua") permanecem vivos e eternizados entre nós. Obrigado pelo lúcido comentário.
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